quarta-feira, 8 de agosto de 2007

O TRUQUE DOS BILHETES DE COMBOIO



A CP adoptou agora uma curiosa frase publicitária que bem pode ser usada para ilustrar a notícia de que é possível aos portugueses poupar em comboios dinheiro para umas férias anuais.


"Próxima Paragem: Mudar a Sua Vida" não é exagerado, se pensarmos nos milhares de portugueses que tiram assinaturas mensais para se deslocarem entre casa e o trabalho e podem amealhar 200, 500, mais de 700 euros por ano se tirarem dois passes para o mesmo percurso: um até uma estação intermédia e outro daí até ao destino.


Mas o slogan também se aplica, por exemplo, aos reformados que a TVI encontrou na estação da Régua e que de vez em quando vão ao Porto vender produtos agrícolas ou visitar familiares internados nos hospitais centrais, que podem poupar mais de cinco euros numa única viagem de ida e volta. Os exemplos de poupanças possíveis em viagens superiores a 50 kilómetros são inesgotáveis e por isso só divulgámos alguns.


Este espantoso fenómeno persiste há, pelo menos, uns quinze anos. Se tiraramos dois bilhetes na estação de origem, nas bilheteiras ou nas máquinas automáticas (eu já experimentei) podemos tranquilamente apanhar o mesmo comboio, seguir viagem até ao fim e poupar imenso dinheiro.


Na Estação de Lisboa Oriente encontrei um militar numa máquina a tirar dois bilhetes para o Entroncamento. Um de Lisboa até ao Setil (2,90€) e outro do Setil para o Entroncamento (2,90€). O militar pagou portanto 5,80 € pela sua viagem, mas encontrei vários passageiros com um bilhete único na mão, de Lisboa para o Entroncamento, no valor de 8,20€. Apanharam todos o mesmo comboio, mas os que não sabiam do truque foram espoliados de 2,40€.

O militar não quis gravar mas disse-me que aprendeu o truque com "o pessoal do quartel". Há classes com espírito de corpo.

A CP, numa mensagem escrita enviada à TVI, comunicou três coisas relevantes para esta história:


1. "Quando o serviço Regional é complementado com o serviço Urbano, os clientes têm a opção de adquirir um bilhete único (Regional) na bilheteira ou adquirir dois, Regional+Urbano a bordo ou nas bilheteiras".


Ou seja, a companhia não esconde o óbvio direito dos passageiros, consagrado na Lei do Consumidor, de optarem pela solução mais barata para cada viagem de comboio.


2. "Em muitas situações é mais vantajoso para o cliente adquirir um bilhete único, em termos económicos ou mesmo de comodidade".

Neste ponto, a CP assume que o razoável (tirar um único bilhete), afinal, não é a regra: é a excepção. Toda uma nova teoria económica e um novo Direito do Consumidor poderão brotar desta originalidade.


3. "A CP está a trabalhar no sentido de uniformizar a venda de títulos de transporte em todos os seus canais de venda e, em paralelo, a instruir os seus funcionários no sentido de informarem previamente os clientes sobre as várias opções".

Este ponto tem um problema: é desmentido pela realidade. Mesmo depois de emitidas as primeiras peças da TVI sobre o truque dos bilhetes, os meus colegas repórteres e eu próprio verificámos, de Norte a Sul, que os funcionários das bilheteiras não receberam quaisquer intruções. Nalguns casos (na Régua, por exemplo) dizem aos passageiros que não dispõem, sequer, de meios técnicos para desdobrar os bilhetes.


Os sindicatos que contactei confirmam este facto e mostram-se até revoltados com a situação, porque são os funcionários que estão a aguentar a revolta dos passageiros que sentem que foram enganados durante muito tempo.


A DECO, nos últimos dias, recebeu dezenas de chamadas de cidadãos revoltados e decidiu apelar aos consumidores para exigirem o reembolso do que lhes é cobrado ilegalmente, por carta dirigida ao novo Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres (IMTT).


O IMTT emitiu recentemente um elucidativo comunicado publicitando a preparação de um novo tarifário da CP. Sucede que esse tarifário "está a ser preparado" há dois anos. Foi nessa altura que o jornalista Paulo Vila levantou o problema no Jornal de Barcelos.
As oposições confrontaram depois, várias vezes, o Governo na Assembleia da República. A Secretária de Estado dos Transportes prometeu, em Janeiro, no mais recente debate parlamentar sobre o assunto um tarifário novo. Para quê? "Para corrigir algumas assimetrias", disse Ana Paula Vitorino. Depois do eufemismo ferroviário, anunciou um prazo: Março passado.
Foi só mais um prazo falhado. É que a ilegalidade do tarifário da CP já dura, há pelo menos, quinze anos.
Nada nesta história parece normal, mas falta um fenómeno.
Todos estes factos não foram ainda suficientes para outros meios de comunicação social tratarem o assunto. Se o Jornal de Barcelos tivesse expansão nacional, quanto dinheiro milhares de portugueses teriam poupado?