sexta-feira, 20 de julho de 2007

O SEGREDO E O SIGILO


Eu não me estou "a cagar para o Segredo de Justiça", como o ex-ministro Ferro Rodrigues, mas compreendo como português criado no Norte a frase dele, escutada e passada para o papel no processo Casa Pia. Apesar dos bufos, dos processos disciplinares absurdos e do medo das escutas, em privado falamos como falamos. E é humano que os políticos só percebam a violência de algumas normas legais que inventam para o bem de todos nos casos excepcionais em que se tornam objecto delas. Claro que as exemplares contradições de quem legisla são notícia, mas abstenho-me de processos de intenção e considerações morais.


A verdade é que o Segredo de Justiça em particular e o segredo em geral, no nosso paradigma político e tecnológico, são coisas medievais, para não dizer arcaicas, mas em qualquer caso obsoletas. Não é preciso mudar de exemplo: basta ler as escutas do processo Casa Pia para se perceber que meio mundo político (neste meio compreendem-se os arredores, como o bastonário dos advogados à altura) conhecia o processo e delineava estratégias para reagir ao envolvimento de um deputado, muito antes de acórdãos históricos do Tribunal Constitucional e do Tribunal da Relação de Lisboa terem ordenado o levantamento do "segredo" e a comunicação aos arguidos dos indícios que os tinham levado à cadeia. Claro que acórdãos inovadores quando estão em causa arguidos poderosos também são notícia, mas isso não belisca a minha cívica e humilde concordância com as decisões.

O Segredo de Justiça, se eu bem compreendi a Constituição da República e distintos professores de Direito, serve para proteger duas coisas: a investigação e os direitos de personalidade dos visados pela Justiça. Quando os processos são conhecidos pelos visados, através de fontes judiciárias e de redes de influência, a protecção da investigação caduca; e quando são conhecidos por todos, porque a prisão de um político ou de uma figura pública não é nunca um facto clandestino, o bom nome dos visados, no sentido pleno, é uma impossibilidade. Manter o segredo, nestes casos, só produz intolerávies efeitos despóticos. No domínio das liberdades individuais, retira aos arguidos possibilidades reais de defesa; no domínio da Liberdade, proíbe todos de democratizar informação que muitos já conhecem.

O Segredo de Justiça em particular e o segredo em geral são fenómenos políticos. O segredo é sempre uma máquina de poder, mas é uma máquina de poder frágil.

Uma máquina de poder porque distingue quem tem e quem não tem determinada informação: permite a uns agir em função dela e exclui outros de o fazer. O segredo é um direito de propriedade.

É uma máquina frágil porque a curiosidade humana, desde sempre, as liberdades políticas, desde a instauração da Democracia, e as tecnologias de informação, cada vez mais, impedem que o segredo se mantenha na posse dos proprietários originais, legalmente constituídos ou não.

É por causa deste entendimento político do segredo que me oponho civicamente às novas leis que vinculam criminalmente os jornalistas ao Segredo de Justiça e que promovem ainda mais a extinção do respectivo sigilo profissional.

Este novo edifício jurídico é um roubo dos poderes institucionalizados ao poder popular. Para cumprirem as novas leis, os jornalistas são obrigados a meter na gaveta a informação que circula sobre processos judiciais. E, ao mesmo tempo, são obrigados a denunciar aos tribunais os cidadãos que os ajudam a conhecer factos e informações.

O jornalista criado por estas leis é um ser abjecto. Um colaboracionista. É-lhe exigido que esconda do público coisas interessantes que sabe, mesmo que já se saibam em todos os corredores do poder. O jornalista, na linguagem do povo, é obrigado a ser "um deles".
Como se não bastasse, o jornalista é obrigado a denunciar aos poderes institucionalizados as pessoas que ousaram contar-lhe coisas. Os padres, os médicos e os advogados vão continuar a ser justos depositários de segredos, legalmente protegidos. Os jornalistas, não.

Os jornalistas vão ter de esconder o que hoje devem divulgar. E vão ter de denunciar quem neles confia.

Estes actos são ignóbeis.

Como pode um jornalista esconder aquilo que sabe?

Como pode um jornalista entregar o nome dos que nele confiam?

Como pode um jornalista assim cumprir minimamente o seu dever constitucional de contribuir para o direito dos cidadãos a serem informados?

A desonra não pode ser instituída por decreto.

Alguém me poderá obrigar a ter nojo de mim próprio?

quarta-feira, 18 de julho de 2007

OS GENÉRICOS MAIS CAROS DA EUROPA

Este gráfico foi mostrado esta manhã pelo presidente do Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento (Infarmed), Vasco Maria, na sessão de apresentação de mais uma campanha de promoção dos medicamentos genéricos.

Se o descarregarem para o ampliar, ficarão cara a cara com uma originalidade portugesa. Somos o único país da Europa em que a quota de mercado de genéricos é maior em dinheiro (barras pretas) do que em quantidade de embalagens comercializadas (barras brancas).

De acordo com o Infarmed, a quota de mercado dos genéricos acumulada nos primeiros seis meses deste ano (até Junho) é de 11,33 % em embalagens e de 17,65% em dinheiro.

Ou seja, os genéricos já pesam o dobro nos orçamentos das famílias e no Orçamento de Estado do que representam em tratamentos prescritos e adoptados.

No final da apresentação, Vasco Maria confirmou a evidência: temos os genéricos mais caros da Europa.

Não fiquei completamente espantado. A originalidade dos nossos governos, que inventaram e mantiveram os genéricos de "marca", não serve só para obrigar os farmacêuticos a comprar gavetas para arrumar dezenas de marcas/marcas e de marcas/genéricos.

Os genéricos foram uma oportunidade perdida em Portugal para introduzir um mínimo de elasticidade no mercado dos medicamentos. Os preços máximos são fixados pelo Estado e as companhias de genéricos não encontram o menor estímulo para baixarem preços.

Bem pelo contrário. O vício do mercado dos medicamentos tradicionais (preços mais altos = mais dinheiro para marketing = maior retorno em prescrições ) manteve-se no mercado de genéricos.

As empresas de genéricos gastam fortunas como as outras em "marketing" junto dos prescritores, para obterem receitas (no duplo sentido da palavra) para os seus produtos. Eu ainda me lembro de noticiar há uns anos um paquete de luxo que ia passear médicos e farmacêuticos por uma série de ilhas. Quem pagava a maioria das viagens? Uma multinacional de genéricos.

Originalidade legislativa faz-se pagar com uma originalidade cara para os bolsos dos doentes e dos contribuintes.

Pagamos mais pelos genéricos do que os pobres dos alemães, dos dinamarqueses, dos suecos e por aí fora.

É tão bom sermos ricos.

terça-feira, 10 de julho de 2007

A ORDEM DOS JORNALISTAS


O "Público" de hoje tem uma capa histórica. Em cinco fotografias elegantemente alinhadas ao alto, sob o sugestivo título de "nota oficiosa", os portugueses em geral e os jornalistas em particular ficam a conhecer a nova Ordem.

Estes quatro cavalheiros e esta senhora são a Ordem dos Jornalistas. Claro que usam o nome "light" de Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social.

Estes quatro cavalheiros e esta senhora estão imbuídos do louvável e constitucional propósito de "assegurar o livre exercício do direito à informação e à liberdade de imprensa".

Para quem não entenda, estes quatro cavalheiros e esta senhora são a Ordem dos Jornalistas que temos.

Eu também acho institivamente graça a slogans provocatórios tipo "Sou Jornalista. Não me metam na Ordem". Mas estes quatro cavalheiros e esta senhora, como lhes compete, ignoram olimpicamente palavras de ordem e sabem melhor do que eu, que andava de fraldas nessa altura, que o PREC prescreveu.

Eu às vezes tenho de trabalhar nas fronteiras do certo e do errado para em consciência sentir que estou a trabalhar bem, quero dizer, a "assegurar o livre exercício do direito à informação e à liberdade de imprensa".

Por isso, telefono a todas as horas a dois ou três jornalistas mais velhos que reconheço como jornalistas e bombardeio-os com perguntas.

Mas não me revejo nestas pessoas. Não, também não tenho nada contra elas. Simplesmente não as conheço, nem tive ou terei o interesse de as adoptar como referências.

Pormenor importante, não votei nelas. Nem sequer pude abster-me olimpicamente, porque elas não foram candidatas.

Por isso, aborrece-me que se comportem como bastonários.

Os jornalistas, por razões que eu até entendo, mas acho que prescreveram, não quiseram ser metidos na Ordem. Vai daí, como os legionários dos livros do Astérix, foram nomeados voluntários. Foram metidos na Ordem.