sábado, 30 de junho de 2007

AS LISTAS DE ESPERA

CIRURGIAS DE NEOPLASIAS MALIGNAS

TEMPO MÉDIO DE ESPERA:

PORTUGAL: 105 DIAS

ALGARVE: 198 DIAS

ALENTEJO: 132 DIAS

LISBOA E VALE DO TEJO: 123 DIAS

CENTRO: 102 DIAS

NORTE: 72 DIAS

FONTE: RELATÓRIO DO OBSERVATÓRIO PORTUGUÊS DOS SISTEMAS DE SAÚDE / 2007

PARA ALÉM DOS FACTOS, O RELATÓRIO DISCUTE A POLÍTICA DE SAÚDE E NÃO É CINZENTO.

segunda-feira, 18 de junho de 2007

O RELATÓRIO SECRETO DO SNS (MAIS UM)



Tenho vindo a noticiá-lo na TVI desde 5 de Junho.

Para além da redução dos benefícios fiscais dados à Saúde em sede de IRS, do aumento anual das taxas moderadoras e da revisão do regime de isenções, o relatório recomenda a extinção dos subsitemas públicos de saúde, com a ADSE à cabeça, ou pelo menos que deixem de ser financiados pelo Orçamento de Estado.

Pela consulta do relatório, fica-se a saber que os portugueses pagam directamente do seu bolso mais pela Saúde do que a generalidade dos europeus, que o regime de comparticipação dos medicamentos penaliza os mais pobres e que há quatro especialidades médicas que, na prática, já são privadas, porque é nos consultórios que se fazem a maioria das consultas.

Uma "derrama" para a saúde, o tal imposto transitório, só é encarada pelos peritos como solução extrema, em caso de falência iminente do sistema.

Num comunicado recente, o Ministro da Saúde comprometeu-se a não criar esse novo imposto nem a cortar no número de isentos do pagamento de taxas moderadoras. Quanto às demais recomendações, o comunicado é omisso.

domingo, 10 de junho de 2007

O XAVIER SP



Sou um privilegiado.

Muitos jornalistas de televisão tornam-se conhecidos e populares e provocam impressões desmedidas onde quer que apareçam. Eu não, nem fiz por isso. Na faculdade troquei as cadeiras de televisão por outras de religião e depois passei anos a trabalhar sem me passar pela cabeça meter-me nela.

Hoje sou interpelado no meu bairro e na cidade onde cresci. Afinal, confesso que gosto do que antes me metia medo. Oiço curioso o que as pessoas me dizem do Mundo e já descobri imensas coisas. Esses encontros inesperados ajudam-me a olhar para a câmara e a falar mais claro, como se pudesse transformar a solidão de um directo ou duma reportagem televisiva numa conversa.

Há jornalistas que conhecem mais gente do que eu, mas nunca lhes tive inveja. Sempre achei que o meu “feed-back” de bairro era ajustado ao meu trabalho. E as minhas carências afectivas encontram-se satisfeitas por quem amo, pelos meus amigos e pelo meu cão, que faz o favor de me ignorar quando apareço na televisão. Mas agora tenho uma nova razão para me sentir privilegiado e até para achar que os meus colegas é que têm de ter inveja de mim.

É que eu tenho um Xavier e eles não. E um Xavier é um Xavier. Não é outra coisa qualquer. Um Xavier é um Xavier e não é mais nada. É um acontecimento único, tão único que só quem tem um Xavier tem um Xavier.

Por exemplo, nota-se que é acima da média. Tem iniciativa. O Xavier inventou um blogue especializado no nosso sistema de Saúde e nos sistemas de Saúde do Mundo inteiro. E não criou só o blogue: desatou a geri-lo para sempre. Ele publica os “posts” dos outros e selecciona os comentários: “darei conta das censuras que efectuar e das respectivas justificações”.

Não se pense que eu acho que ele censura. Não, porque o Xavier é tão naturalmente bom que quando censura não censura: depura, defende-nos da doença das opiniões estragadas. Sim, porque o Xavier sabe sempre quais as medidas, as reformas, as opiniões e o ministro que nos faz bem. E defende-nos do resto como dos cigarros que fazem cancro. O Xavier é, ele próprio, a saúde pública. É o Xavier SP da Saúde SA. Se os deputados da Assembleia Constituinte tivessem adivinhado que ia aparecer um Xavier nas nossas vidas não tinham escrito nada sobre o direito à Saúde na Constituição.

Com esta tendência genética para não entender nada sobre Saúde, passei anos nas trevas. Perdi a conta às notícias com que intoxiquei os outros sem saber que o Xavier existia. Cheguei a conhecer pessoas do sector que falaram comigo a até se tornaram minhas fontes. Penso nelas todas envergonhado e não sei se algum dia poderá alguma delas perdoar-me. Confesso dolorosamente que li relatórios e estudos sobre Saúde antes de conhecer o pensamento do Xavier (até Deus, na sua infinita bondade, não perdoaria a um crente que tomasse almanaques do Tio Patinhas pela Bíblia).

Acontece que recentemente o Xavier lembrou-se de mim e eu comecei a pagar os meus pecados em vida. Alguns amigos mandaram-me mensagens com os comentários dele ao meu “inacreditável” trabalho. Tive medo. De início, ainda achei que conseguiria livrar-me das chamas, porque o Xavier escrevia que "a TVI em articulação com alguma oposição" tinha caído em pecado; mas depois explicava a um comentador do blogue: “Não imagina a dificuldade, a coragem que foi necessária para escrever este parágrafo. Não por causa do autor do trabalho da TVI, que eu não aprecio particularmente”.

A minha vida, naturalmente, nunca mais foi a mesma, porque atrás do comentário li o post, e depois do post li outro post, e outro, e às tantas não pude mais ignorar o pensamento do Xavier. Mas pensei que o trabalho “inimaginável” que o Xavier teve para arranjar “coragem” talvez o levasse a não querer condenar-me definitivamente em vida, graças à minha “articulação” com a “oposição”. À cautela, daí para cá, fiz os possíveis por me “articular” melhor. Apesar de convencido da minha fraqueza genética, julguei ser possível imunizar-me.

Como estava escrito nos meus genes, falhei. E o Xavier voltou a denunciar-me, desta vez com o nome e tudo (o meu, porque o dele é “Xavier”).

Ainda não recuperei do choque.

Sinto-me só no Mundo.

Olho para o meu cão. Num acesso de loucura, chamo-lhe “Xavier”.

-“Xavier SP”!

O sacana ignora-me.

Só dá pelo nome dele e está cheio de saúde.

quinta-feira, 7 de junho de 2007

UMA MÚSICA...

"I Zimbra" Talking Heads on Letterman '83

... E UM PREFÁCIO


David Byrne, Nova Iorque, Setembro de 1999

Um dicionário não julga quem o consulta. Se perguntasse a alguém, a qualquer um, o significado de uma palavra longa, obscura e complicada, julgar-me-iam culto ou Snob, ou ambas as coisas e, igualmente, se perguntasse o significado de uma palavra elementar, simples, como "casa", "lá", "ninguém" ou "fim", provavelmente me tomariam por idiota, uma pessoa extremamente inculta, ou talvez apenas um estrangeiro. Mas o dicionário trata igualmente todas as minhas consultas. Nenhuma é mais profunda ou ridícula do que a outra. Sou tratado por este livro como uma criança cujos pronunciamentos são, em geral, absurdamente simples e, ao mesmo tempo, cósmicos. É óbvio, por exemplo, que a palavra "lá" é mais surpreendente ou no mínimo tão desconcertante como uma palavra como "fenomenologia".

Arnaldo Antunes tem um pouco daquela qualidade característica do dicionário.

A qualidade de uma criança muito sofisticada, que nos pede para prestar atenção em expressões vocais, imagens, sons e textos às vezes simples e às vezes complexos... e pede que recebamos essas coisas com profunda inocência, porque aquela inocência é muito mais ameaçadora do que qualquer sofisticação. E também dá mais prazer. Dei com o trabalho de Arnaldo Antunes pela primeira vez num disco dos Titãs, o grupo pop de que foi parte importante por muitos anos.
Compreendi que havia "algo" nesse grupo quando perguntei a um amigo qual era o sentido do título do disco O Blésq Blom e ele me disse que não significava nada, mas que o som dos fonemas e das sílabas apetecia à língua. Mas tarde, topei com outro trabalho em que ele se envolvera - o projeto de um livro (Atlas - Almanak 88, 1988), que me presenteou junto com outro, Fachadas e Platibandas, de Anna Mariani, constituído de fotos de casas estranhamente futuristas, localizadas em cidadezinhas pobres do Nordeste brasileiro. Depois, vi seu vídeo e o disco que o acompanha, Nome, o que me deixou profundamente emocionado... parecia haver aqui outro "cosmopolita sem raízes", como os nazistas chamavam os judeus. Uma pessoa que não vê limites em seu trabalho. Música pop, poesia concreta, instalações, performance, videoarte, ensaios... ele se envolveu em todos esses campos e, embora eu não tenha visto ou ouvido tudo, o que vi e ouvi é concretamente bom.
No Brasil há uma tradição de songwriters (músicos-letristas populares), ligados a campos for a do pop, que são chamados de compositores, pois lá a música é parte importante da vida (estritamente falando, compositor é quem escreve música clássica). A geração do tropicalismo: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé, os Mutantes e outros estiveram geralmente ligados a uma geração anterior, o modernismo (Oswald de Andrade etc), o movimento de poesia concreta (grupo Noigandres), bem como ao Cinema Novo, com os incríveis filmes de Glauber Rocha.

Isso foi no fim da década de 60 e no começo dos anos 70, durante a repressão militar que forçou alguns desses artistas ao exílio. Muitos desses artistas ainda estão ativos, mas aquele momento particular de fermentação e criação passou. Agora a repressão e a censura são de natureza diferente, econômica.

Da mesma forma que aqui nos EUA... a censura é exercida pelas forças do marketing, não por decreto do governo.

Arnaldo Antunes continua essa tradição inovadora, mas com um fio mais cortante, mais nervoso. Mais urbano, mais escrachado, mais global. No trabalho de Arnaldo sinto que ele não vê diferença qualitativa entre cultura elevada e popular... entre escrever rocks e publicar um livro de poesia concreta. Isto é sinal seguro de que os guardiões da cultura perderam controle. Um sinal de que os animais escaparam dos zôos culturais e institucionais onde eram mantidos, e agora estão se encontrando e se misturando... e quem sabe que tipo de estranhas criaturas nascerão.

Esta é nossa situação pós-industrial do século 20. É um mundo em que o texto não é mais rei. Como disse McLuhan, retornamos a uma sociedade pré-industrial de orientação oral e visual, em parte graças à nossa tecnologia e à comunicação de massas. Para nós, palavras funcionam tanto como imagens quanto pelo que dizem, não são apenas símbolos de algum significado externo, mas coisas em si. A televisão e a Internet são montagens de todo tipo de coisas. Imagens, textos, sons. Nós "lemos" esses sons, as texturas de uma publicidade, os gestos nas fotos, nos anúncios, ou de uma performance. Para nós, fazê-lo é instintivo, pois somos animais além de tudo, mas não há livros ginasiais de gramática que definam as regras dessa "linguagem". Com essa linguagem de formas e sons e imagens retornamos a uma espécie de sensibilidade pagã pré-alfabeto, onde todos os lugares, coisas e objetos têm vida, um espírito, e não só pessoas e animais. O mundo está vivo. Esse é o mundo que Arnaldo habita e está tentando definir. E é nosso mundo também.

De vez em quando, algumas das coisas que Arnaldo faz, uma canção por exemplo, pode tornar-se popular, vender muitos discos, ser considerada "comercial" em certo sentido, mas sinto que os impulsos por trás de todos esses vários tipos de trabalho que ele faz são mais ou menos os mesmos. Que para ele a música que se torna popular não tem maior ou menor valor do que esses fragmentos de texto/imagem. Um som é igual a uma palavra e a forma é igual a uma história. Por isso, esse livro pode ser considerado uma espécie de gramática, um dicionário, de uma linguagem que não está definida. Uma linguagem que estamos todos tentando aprender e falar, mas para a qual não temos instruções, nem referências. Aqui há um começo.


Prefácio escrito especialmente para o livro de poemas de Arnaldo Antunes Doble Duplo, lançado na Espanha.


http://www.arnaldoantunes.com.br/sec_livros_view.php?id=6&texto=1

quarta-feira, 6 de junho de 2007

A greve, a lei e a televisão


Já lá vai uma semana, mas não faz mal. A historieta edificante que vos queria contar não tinha relevância nenhuma para a alta matemática dos resultados da greve.

Tocou-me, na minha televisão, fazer a cobertura da greve nos serviços de saúde de Lisboa. Na véspera decidi contactar alguns hospitais, anunciando a aparição de uma câmara da TVI com um repórter de imagem e comigo atrelados.

Estes contactos prévios, na verdade, não são só uma questão de cortesia. No fundo, destinam-se a antecipar e a evitar chatices. As nossas administrações hospitalares têm mais alergia à televisão do que à gripe das aves.

Eu às vezes digo isto em reportagens e em directos, mas ainda acho que a maioria das pessoas não sabe que um carro de reportagem de uma televisão, à entrada de um hospital, é recebido como um potencial terrorista.

Os hospitais não têm dinheiro para pagar decentemente a médicos de carreira, nem para certos medicamentos, mas não param de aumentar os quadros de seguranças imbuídos de intruções claras para só deixarem passar jornalistas "autorizados". Só eu sei as horas de trabalho que já perdi em portões onde toda a gente entra tranquilamente (e eu também, desde que não esteja a trabalhar).

Honro-me, apesar de tudo, de nunca ter pedido "autorização" para fazer o meu trabalho em locais públicos, de espernear sempre que alguém me tenta impedir e de ter apresentado várias queixas contra encartados delinquentes, infractores relapsos da abominável liberdade de imprensa.

Tenho histórias divertidíssimas.

Lembro-me do ministro Pereira ter ficado encavado quando lhe agradeci, em directo, por estar a filmar no Hospital de Santa Maria. Perguntei-lhe, sempre em directo, se ele sabia a razão do meu reconhecimento. Ele não respondeu. Expliquei-lhe que, uma semana antes, numa outra greve, fora forçado a en
trevistar doentes do lado de fora para o lado de dentro da cerca do hospital. Juro que a comitiva do ministro se riu.

Lembro-me do director de um hospital ao meu lado, num portão, comigo a dar um passo para o lado de dentro e a câmara ligada à nossa frente.

Lembro-me de um polícia nos jardins da Assembleia da República fazer o ar mais espantado do Mundo quando lhe disse que ia desobedecer à ordem dele e continuar a entrevistar um médico-sindicalista. E de ver nascer nos olhos dele uma certa cumplicidade, inconfessável, quando lhe perguntei quem lhe tinha dado a ordem para me impedir, porque essa é que passava a ser a minha notícia para o Jornal Nacional.

Desta vez, eu fiz os contactos. E tive o cuidado de informar que ia fazer reportagem no dia seguinte, sem dar o menor sinal de que se tratava de um pedido de autorização. Num desses telefonemas, informei o meu interlocutor no Centro Hospitalar de Lisboa Central (acho que é assim que se chama) de que ia aparecer na central de consultas externas do Hospital de S. José para ver a greve.

Foi aí que começou esta edificante história. O meu interlocutor explicou-me que "a Administração" tinha decidido que os jornalistas, desta vez, iam filmar a greve no Hospital dos Capuchos para "não ser sempre o S. José a aparecer". Um pequeno problema, portanto, fácil de resolver.

Só que eu, à partida, queria mesmo ir a S. José, porque tinha lá ido noutras greves e pretendia poder comparar. Confesso que, por um estranho pressentimento que não conseguia racionalizar, a opção da "Administração" reforçou o meu interesse. Lá invoquei a lei, lá disse que ia na mesma, que filmaria quem me impedisse e apresentaria queixa-crime a seguir. Formalizei a coisa por escrito.

O problema desbloqueou-se em cinco ou dez minutos. Sem ponta de ironia, o interlocutor da "Administração" é um grande profissional, que me habituei a respeitar.

No dia da reportagem, o José Carlos Barradas, repórter de imagem que me acompanhava, filmou sozinho a central de consultas do Hospital de S. José. Porque não havia jornalistas, não havia funcionários, quase não havia doentes. Aquela sala vazia, onde diariamente costumam estar centenas de pessoas, foi a imagem mais forte da minha reportagem.

Às 9 da manhã fiquei com a impressão de que esta era a maior greve que tinha visto na Saúde, impressão que desfiz quando visitei o Hospital dos Capuchos. Aqui, uns médicos da velha guarda explicaram-me que as tradições dos dois hospitais são opostas em matéria de greve. Eu não sabia. Por isso talvez a "Administração", que agora manda nos dois hospitais, também não soubesse e tivesse só preocupações estéticas.

Explico que só não pedi autorização porque não se negoceiam direitos e muito menos deveres. E a Constituição da República Portuguesa tem lá escrito o direito dos espectadores da televisão onde trabalho a serem informados, o que me dá uma trabalheira porque nem sempre consigo realizá-lo. A Lei nº 1/99, de 13 de Janeiro, deixa claro que eu posso usar o equipamento necessário para realizar esse princípio fundamental.

Mas eu sei que décadas de exame prévio não se alteram por decreto. Tem de se espernear e fazer figura de terrorista, não é? Há coisas piores na vida.