terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Venham mais 5


À superfície, o homem é claro como a água. Domingos Névoa é um pobre empresário do Minho, daqueles que subiram na vida a pulso. Olhá-lo de frente obriga-nos logo a essa mística mistura de sentimentos, entre a repulsa e a admiração, que só o suor a escorrer da testa provoca. Claro, podemos dizer, que o trabalho dele brota de poros superiores, vizinhos de neurónios inacessíveis ao mortal cidadão votante, que não conhece, sequer, directores de serviços, quanto mais presidentes de câmara ou vereadores.

Mas basta descer ao andar (-1) para darmos com a careca de um príncipe do Portugal subterrâneo. Domingos é o bilhete de entrada para os parques de estacionamento enterrados nas catacumbas das praças, das igrejas onde se fazem comícios. Não são tocas para romances de Kafka? Braga não é Praga, apesar do Variações, mas esteve lá quase:

Vi-te a trabalhar o dia inteiro
construir a cidade para os outros
carregar pedras
desperdiçar
muita força para pouco dinheiro

Domingos, qual pobre homem do Minho, ia-se desgraçando na capital. Um tribunal do Chiado acaba de o condenar por corrupção. Por azar activa, por sorte para acto lícito. Daí ao lavrar da sentença foi pouco mais de um ano, ou dois, sei lá. Tomá lá, Domingos, cinco mil euros de multa, capazes de fazer feliz por um ano qualquer um dos teus operários.

Tanta força
para tão pouco dinheiro

Mas o Domingos sentiu

uma força a crescer-lhe nos dedos
e uma raiva a nascer-lhe nos dentes:

O recurso feito pela defesa encabeçada por Artur Marques baseia-se num parecer do penalista Costa Andrade para quem "no direito positivo português vigente não é permitido o recurso a agente encoberto para investigar o crime de corrupção activa para acto lícito, dirigida a um titular de cargo político". Isto porque "a investigação deste crime não legitima as escutas telefónicas, medida menos invasiva e danosa que só é válida para crimes superiores a três anos". O crime de corrupção activa para acto lícito, de que Domingos Névoa foi acusado, tem uma pena máxima de seis meses de prisão. Neste caso, Costa Andrade observa que o "entendimento diferente determinaria a inconstitucionalidade da norma, por violação do princípio da proporcionalidade".

O José, claro, vai uma faixa à frente e já mudou de música:

"O problema da validade das escutas, tem um autor: Costa Andrade. Enquanto essas teorias não forem denunciadas como corruptas, não há volta a dar a isto. E vai ser preciso muito esforço, que o Costa Andrade e a Fernanda Palma têm muitos recursos argumentativos. Todos da jurisprudência alemã que consagra essas garantias todas para impedir que alguém possa ir para a cadeia durante dezenas de anos. Por cá, usam o mesmo argumentário garantístico para estas penas de multa...Isto é um escândalo, mas vai ser preciso que todos os jornais o digam para esses se encherem de vergonha. E nem assim, aposto".

E eu aposto por cima. Venham mais cinco (mil).

PURA MANHOSICE



"Uma coisa é a vontade expressa de um jogador, outra o seu estatuto e outra as opções do seleccionador nacional, isto é um contexto. O contexto de andarmos por aí a tapar o sol com a peneira, sem também discutirmos o que é fundamental no futebol, porque não dá notícia ou não é espectacular, como o incentivo à prática do futebol, mais treinadores, mais campos, mais jogadores, a problemática dos estrangeiros em toda a Europa..., são coisas para as quais as pessoas não estão viradas (...) Liedson na selecção é um falso debate".

Carlos Queiroz, seleccionador nacional de futebol

Cá este um belo naco de discurso do português puro: uma manhosice pegada. Os brasileiros naturalizados portugueses são os novos judeus e os teóricos de uma selecção de portugueses nascidos em Portugal a sua Inquisição light.

Os franceses, esses chauvinistas, foram campeões do Mundo com Henry, Vieira, Djorkaeff, Karembeu... uma equipa de pretos liderada por esse argelino (argelino, não é?): Zidane. Zizou, Zizou Zizou, ao erguer a taça no Arco do Triunfo.

Quando vejo na televisão um tipo que foi deputado, como Sílvio Cervan, defender "pessoalmente" esse projecto higiénico, mas consentir, já que o "precedente" está aberto, que o Liedson até dá jeito para chegarmos outra vez à África (do Sul), chego a corar de vergonha.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Bem vinda, Manela

Estar dois anos e meio posta de lado por razões "ocultas", sem saber se algum dia haverá regresso...convenhamos, também não é fácil. É certo que voltei, sim. Camafeu assustador, admito, para aqueles que não encaram a verdade, mas, mesmo assim, mesmo para esses (há sempre a esperança que mudem) a dar a cara, como sempre dei, por aquilo em que acredito. Pela liberdade de expressâo, por um jornalismo livre, independente de qualquer tipo de Poder.


Manuela Moura Guedes, in Portugal dos Pequeninos

MMG resolveu entrar na "blogosfera". Para mim não é novidade, mas não serei o único a gostar de quem fala claro, num território onde pululam anónimos e muitos cobardes.

Uma notícia manifestamente exagerada



CÓDIGO PENAL

LEI 59/2007, 4 SETEMBRO

Artigo 377.º

Participação económica em negócio

1 - O funcionário que, com intenção de obter para si ou para terceiro, participação económica ilícita, lesar em negócio jurídico os interesses patrimoniais que, no todo em parte, lhe cumpre, em razão da sua função, administrar, fiscalizar, defender ou realizar, é punido com pena de prisão até cinco anos.

Artigo 118.º

Prazos de prescrição


1 – O procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido os seguintes prazos:

b) Dez anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a cinco anos, mas não exceda dez anos;

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

HISTÓRIA DE UM FAX

NOTÍCIA TVI
JORNAL NACIONAL DE SEXTA

Em Fevereiro de 2005, os escritórios da Smith and Pedro, no número 13 do Largo Coronel Ramos da Costa, em Alcochete, foram objecto de buscas legalmente autorizadas por despacho judicial.

Entre os documentos apreendidos constava o original de um fax, de Manuel Pedro, agora constituído arguido no processo, endereçado a José Sócrates.

O documento tem a data de 4 de Abril de 1996, era o actual primeiro-ministro secretário de Estado Adjunto da Ministra do Ambiente, Elisa Ferreira.

Manuel Pedro trata José Sócrates por tu. Começa por lhe pedir desculpa por o contactar via “fax” e explica-lhe:

“É só para saberes o que está em causa”.

A TVI não teve acesso ao documento original, que consta do processo, mas confirmou a sua existência junto de diversas fontes.

O primeiro-ministro, na última comunicação que fez ao país sobre o caso Freeport, foi confrontado pela TVI sobre as suas relações com Manuel Pedro e negou-as peremptoriamente.

Se algum dia o Ministério Público entender que há razões para inquirir o primeiro-ministro, José Sócrates poderá confirmar ou desmentir a recepção do fax e esclarecer qual o assunto que teria Manuel Pedro para tratar com o secretário de Estado do Ambiente em 1996.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

ESTRANHA FORMA DE CORAGEM


O que me impressiona neste artigo do juiz desembargador Rui Rangel é o recurso a uma impressionante dualidade retórica para escrever as suas opiniões.

O artigo não é só uma bravata contra o Jornal Nacional de 6ª Feira, projecto jornalístico que ele manifestamente não entende mas segue com a devida atenção, o que já não é mau.

Primeiro, o Senhor Desembargador espraia-se num preâmbulo em que critica, muito indirectamente, quem quer reduzir o processo Freeport a um "caso" jornalístico:

"É frequente afirmar-se que são os jornalistas que criam os casos, que perseguem as pessoas, que violam o segredo de justiça, assumindo o papel de abutres. (...) Mas daí a dizer-se que são os culpados das crises, culpados, por exemplo, do chamado caso Freeport, por destilarem notícias que não são verdadeiras, é carga a mais para os seus ombros".

Esta delicadeza do articulista chega a ser comovente. "Diz-se", "é frequente dizer-se". Onde está a coragem para pronunciar claramente os nomes de Proença de Carvalho, Freitas do Amaral, Santos Silva, Correia de Campos ou do próprio José Sócrates, revelada a seguir, com toda a grosseria possível, para se atirar ao "casal Moniz"?

Então, Senhor Desembargador, quem diz as coisas que se dizem por aí, "frequentemente"?

O dr. Rangel tem todo o direito a ter as opiniões que tem, como eu tenho de as achar um completo disparate. Mas, para mim - que sou jornalista do Jornal Nacional de 6ª e não renego nada do que assino - é uma decepção ver um magistrado tão corajoso manifestar-se tão reverencial quando esboça, a título de "por exemplo, o chamado caso Freeport", uma modesta crítica a quem está no poder.

Concordo com ele numa coisa. A comunicação social vive "tempos críticos de independência". Mas o Jornal de 6ª não.

Mas tenho para o Senhor Desembargador uma notícia: a Justiça também vive tempos críticos de independência. Ele, sinceramente, espero que não.