sábado, 25 de outubro de 2008

AS TREZENTAS E POUCAS



O INEM, ATRAVÉS DE FONTE OFICIAL NÃO IDENTIFICADA, ACABA DE DIZER AO JORNAL DE NOTÍCIAS QUE NÃO PERDE, OU DEIXA POR ATENDER, QUATROCENTAS CHAMADAS DE SOCORRO POR DIA. "SERÃO ANTES TREZENTAS E POUCAS".

Lê-se e não se acredita. Mas é sintomático de duas coisas. Uma política de comunicação inaceitável num organismo público e, muito mais grave, uma inesperada irresponsabilidade social.

Primeiro, vamos à política de comunicação. A TVI noticiou há uma semana que o Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) de Lisboa do INEM, responsável pelo atendimento e accionamento de meios de socorro aos distritos de Lisboa, Santarém, Setúbal, Évora e Beja, chega a "perder" centenas de chamadas por dia. A reportagem, que pode ser vista neste excerto do Jornal Nacional de 6.ª feira, 17 de Outubro, às 21:08, não foi feita nas costas do INEM. Fizemos, cara a cara, a pergunta necessária à Directora de Emergência Médica do INEM e pusemos no ar a resposta. Esta semana, antes da nova notícia , o INEM foi previamente questionado sobre tudo: o caso concreto do esfaquedado que ficou meia hora à espera, o caso concreto de uma segunda-feira negra, e o caso genérico de toda a informação financeira e operacional disponível sobre o sistema informático. Trata-se de informação pública por Lei, mas o INEM não respondeu a nada. Preferiu ficar sentado a ver o jornal da TVI para responder a seguir, ao Jornal de Notícias, que as chamadas perdidas foram "trezentas e poucas". Ridículo.

Agora, a irresponsabilidade social. Ao contrário do que informa a fonte oficial do INEM, já antes da instalação, em Março, do módulo de georeferenciação do novo sistema informático, que custou uma fortuna, era possível medir o número de chamadas perdidas. Mesmo que não fosse, basta perguntar à polícia, que encaminha as chamadas 112, ou aos bombeiros, que recebem activações com meia hora de atraso, se sempre foi assim. Mas nem sequer é preciso a quem manda no INEM dar-se a tanto trabalho. Basta alguém do Conselho Directivo ter a coragem de descer uns andares e perguntar directamente aos operadores que atendem as chamadas.

Sempre houve chamadas perdidas? Residualmente, talvez. Porque se os senhores que mandam souberem ler, podem consultar os relatórios de actividades de 2004 e 2005 da instituição que dirigem. Aí ficarão a saber que os operadores de atendimento respondiam a uma média de cinco chamadas por hora. E agora, que o número de operadores foi drasticamente reduzido, seguindo a espúria tendência da administração púbica para poupar em recursos humanos e aumentar proporcionalmente os milhões disponíveis para negócios de contratação externa, quantas chamadas atende cada operador por hora e quantas perdem eles todos em conjunto? Agora, que bancadas inteiras de postos de atendimento foram retiradas da sala do CODU de Lisboa, que chegam a estar seis ou sete pessoas para atender as chamadas todas de socorro de cinco distritos, como é?


Claro, o que é preciso é comprar helicópteros para salvar a reforma louca de um ministro que sabia de tudo mais do que toda a gente. O que é preciso é montar um majestoso "hospital de campanha" e estacionar um batalhão de ambulâncias na Avenida da Liberdade por causa de um carro de fórmula 1 que anda por lá a fazer publicidade, não vá o carro despistar-se para cima das pessoas ou da própria estátua do Marquês.

A minha segunda maior curiosidade é saber se a ministra da Saúde vai engolir mentiras ou exigir soluções. A maior curiosidade de todas é contar quanto tempo vai durar esta irresponsabilidade grosseira que pode matar pessoas e certamente já matou algumas.

9 comentários:

dalmata disse...

Um querido amigo deixou-me este poema no blog. Assim que o li lembrei-me logo de ti e agora achei que era o post indicado para dedicar.

Um beijo

«
Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

Sophia de Mello Breyner Andresen
»

Anónimo disse...

Hugo Onofre.
Após ter lido este artigo, não poderia deixar de expressar a minha indignação, fui um operador daquela central e chefe de equipa simultaneamente, como tal sei bem o que vou escrever aqui:


Já alguém se dignou a perder uns minutos para tentar entender qual o motivo de nos últimos 3 anos ter saído só do CODU de Lisboa quase 40 Operacionais!?

Pois certamente que não será por não gostarem daquilo que faziam… mas sim pelo facto de terem chegado á exaustão e ao momento de dizer “ CHEGA DE BRINCAR COM A VIDA DOS OUTROS”
Pois não é uma profissão fácil de suportar sem se gostar do que se faz, não é fácil atender uma chamada ao qual somos insultados e no segundo seguinte atender uma outra em que se houve uma mãe soluçando e no meio do seu choro ela diz-nos “ ajudem-me o meu bebe esta todo roxo e não esta a respirar…”. Pois, é aqui que aqueles profissionais demonstram aquilo que de melhor sabem fazer na sua vida.

Relativamente ao sistema antigo não permitir visualizar as chamadas perdidas É PURA MENTIRA. Essa informação era possível obter nos postos dos médicos reguladores e ainda ao fundo da sala existia (visível de qualquer posto de atendimento) um letreiro electrónico que mencionava o número de chamadas em espera, contudo na altura existia 15 postos de atendimento e após o alargamento de área passaram para 10 podendo ainda ser reduzidos para 9, nos dias em que existe uma psicóloga de serviço na central. Agora pergunto eu, será que era preciso tirar algum doutoramento para perceber que se o número de chamadas ia aumentar com o alargamento de área e nunca se poderia reduzir o número de postos de atendimento?
Hitler assassinou milhares de judeus e foi dominado por um grande assassino, mas agora quem liga 112 certamente que não será para saber qual o prato do dia, mas sim porque a sua vida ou a de alguém esta em perigo e quando se perde 300 chamadas de emergência por dia e multiplicado por 30 dias do mês, dá uma média de 9 000 VIDAS, mas a este tipo de perdas humanas, dá-se o nome de casos pontuais! Como alguém pode vir para um órgão de comunicação social e assumir publicamente que se perde tantas chamadas de emergência?


A Todos os OPCEM deixo um pedido, não deixem de fazer aquilo que ninguem sabe fazer melhor que todos Voçês, um abraço cheio de saudades a todos vós.

cicuta disse...

Obrigado, por me deixar ainda mais assustado.
Mas a verdade tem que ser divulgada, pois temos que saber identificar as bestas.
Já agora cuidado com a devassa da correspondência (electrónica por enquanto), sem paralelo desde os tempos da PIDE/DGS

Luciferzinho disse...

És grande Enes!
És grande!

samuel disse...

Tal como o Rui Vasco Neto, também eu fico algo "adoentado" só de ler...
Cheguei aqui exactamente via "Sete vidas..." e descubro que o meu blog já cá "canta".
Obrigado! O "Fragmentos de Apocalipse" vai ficar pendurado na lapela do "Cantigueiro" dentro de momentos.

Abraço

Bruno disse...

Será que 99 são "poucas"? Com a lata desta gente não me espantava nada...

Mas não percebem que enquanto ficar uma chamada por atender, alguém pode morrer por falta de socorro?

"poucas" não é definitivamente uma palavra para se usar num comentário sobre este assunto...

Anónimo disse...

CARLOS ENES: VÁ APANHAR NA PEIDA!

Paulo Ferreira disse...

Durante quantos anos vamos fechar os olhos e compactuar com as políticas e normas do INEM?
Eu estou farto de pronunciar sobre esse instituto, instituto que vive as custas das outras entidades

Anónimo disse...

Não costumo enganar-me a avaliar os homens.
Continue. Jornalista serve para isso. E na vida, ter causas tem preço, mas não as ter deve ser tão cinzento...