Há pouco mais de um ano, no então Jornal Nacional de Sexta, tratei várias vezes o problema das chamadas perdidas do INEM (deixei neste espaço alguns comentários ao assunto, aqui e aqui).
O JN de Sexta pôs no ar várias peças documentadas com fotografias como esta (referente ao turno 8H/16H de quinta-feira do Centro de Orientação de Doentes de Lisboa). Mas tive ainda espaço (tempo) no jornal para uma extensa reportagem em que bombeiros, polícias e vários cidadãos contavam experiências dramáticas com o INEM. Já não disponho do "link", mas recordo-me que eram dez minutos de televisão apocalípticos. Um pai que ficou uma hora à espera de ambulância com uma criança trancada no carro depois do acidente; um filho que viu o pai morrer de enfarte sem conseguir socorro; bombeiros que andaram perdidos à procura de uma mulher desmaiada porque o INEM os mandou para uma igreja errada; polícias da central 112 a sofrerem em directo as reclamações de cidadãos furiosos porque as chamadas caíam quando eram encaminhadas para o CODU; médicos da central em pânico porque uma mulher tomara uma caixa de comprimidos e não morava na rua para a qual o sistema informático "enviara" os bombeiros.
Como os factos eram graves mas não envolviam directamente políticos, banqueiros ou outros seres poderosos no mundo dos negócios ninguém se atreveu a chamar "sensacionalista" a uma reportagem que era, de facto, um turbilhão de emoções e um verdadeiro murro no estômago. Senti eu a pancada, ao presenciar a indignidade extrema da situação e a revolta de pessoas indefesas; e sentiram-na, seguramente, todos os espectadores com critério cívivo e independente de partidarismos.
Abílio Gomes, um tenente-coronel que não conhecia e não conheço, com uma respeitável carreira militar, tinha acabado de chegar à presidência do INEM. Por mero acaso, estreava-se com uma crise mediática que devia ter estoirado antes, porque a contratação de um sistema informático duvidoso e a redução de pessoal do CODU haviam sido decisões do anterior conselho directivo, chefiado pelo médico Luís Cunha Ribeiro, que entretanto transitou para conselheiro do secretário de Estado da saúde Manuel Pizarro.
Confesso-vos que tive esperança, como cidadão, que o novo presidente do INEM percebesse a inaceitável gravidade diária da situação e tomasse todas as medidas necessárias para a resolver, custassem o que custassem em termos financeiros ou de pequena política do Ministério da Saúde. Recordo-me de lhe fazer chegar a mensagem de que as notícias não eram "contra" ele, ou provenientes de algum lobby apostado em queimá-lo à nascença. A carreira militar e as referências elogiosas de algumas pessoas que o conhecem levaram-me a acreditar profundamente que o problema iria ser resolvido.
Abílio Gomes só me decepcionou quando, chamado ao Parlamento, optou por um discurso justificativo. Disse então que não havia chamadas perdidas no INEM e que as chamadas eram "desligadas" pelos contactantes, devido ao "tempo psicológico" de quem passa por situações de urgência. As pessoas que eu tinha entrevistado - e eu próprio, que uma vez pedi socorro para um carro caído numa ravina e não fui atendido - acabavam responsabilizadas depois de terem sido vítimas. Recordo que algumas me telefonaram, interessadas em responder na televisão ao presidente do INEM. Entendi totalmente a indignação, mas acabei por não concretizar a ideia, que me pareceu excessiva depois de tantas peças a denunciar o assunto. O INEM decidira lançar uma auditoria interna ao sistema informático e eu confiei que tudo se encaminharia para uma solução definitiva. Pareceu-me adequado deixar o novo Conselho Directivo trabalhar em paz, aliviando, na parte que me cabia, a pressão mediática.
Houve mais um sinal negativo, que foi a retirada do sistema informático do CODU dos indicadores de qualidade e resposta que se podem ver na fotografia, fruto de um reaparecimento que julgo saber furtuito esta semana. Para além da auditoria, o INEM lançou um concurso para a contratação de mais operadores de atendimento e introduziu algumas novidades ao sistema informático do CODU, como o call back, um instrumento que me parece discutível em emergência médica se usado sistematicamente, como acontece.
Acho que errei por omissão ao longo de um ano. Objectivamente, o INEM pode até ter melhorado alguma coisa, mas não resolveu o problema, como se pode ver nesta reportagem de quinta-feira.
Palavra de honra que preferia não ter de dar estas notícias.
1 comentário:
Onde foi parar esse Tenente Coronel, que se encontrava a realizar a auditoria????
Pois, foi posto andar... falou demais, descobriu os problemas e mexeu no estrume!!!!
Esta história já cheira mal!!!!
relativamente a esta última noticia de quinta feira, Eu tenho 1 dedo que adivinha já aquela que será a desculpa!!!! (se alguma vez esta vier a existir!!)
Aos órgãos de comunicação social, irá ser de dito que foi 1 dia de pico elevado de chamadas! Um dia anómalo…. (Depois digam-me se não acertei!)
mas pergunto eu e os outros 365 dias????
Sim, porque este problema é um problema diário, um problema que nunca teve melhoras…. Tendo sido camuflado pelo silêncio da comunicação social.
Desde a ultima reportagem (há 1 ano) que aqui se vêm a perder diariamente chamadas, atrás de chamadas e o que é feito?? Nada!!!!
Nesta central, Continua em cada turno os mesmos 7 a 8 operadores de sempre, desempenhando as funções de 15.
No entanto se for pedido oficialmente esse mesmo número de elementos escalados, este terá um valor sustentável ao seu bom funcionamento.
Da mesma forma que, cada vez que uma televisão vêm visitar esta central, elementos de folga, elementos fora de escala (que já não atendem chamadas há meses\anos), são chamados de urgência para preencher os lugares vazios com objectivo de transparecer uma boa operacionalidade, isto já para não referir que se algum jornalista levar em mente, ir entrevistar 1 operador, este será um dos tais elemento fora escala, que só dirá aquilo que lhe foi dito para dizer pela chefia!
Perguntemos ao Carlos Enes, há 1 ano atrás, qual foi o elemento que já aqui dentro da central, lhe foi indicado para ele poder entrevistar! Pois esse mesmo… um elemento que já nem na escala aparecia. e porquê??!
Tudo muda, tudo passa, tudo se esquece….
Só espero que isto não caia uma vez mais no esquecimento!
Parabéns Carlos pela tua coragem!
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