sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

Quem troca a Liberdade por um golo?

OK, sou jornalista. Fica feita a declaração de interesses. Mas também sou consumidor de informação, compulsivo, desde que sei ler. E é em nome deste segundo interesse que partilho esta fúria.

A Polícia Judiciária fez esta semana buscas e copiou ficheiros informáticos na redacção de um jornal desportivo, difundido através da Internet, chamado Sportugal. Não discuto aqui quem autorizou as buscas (parece que foi a própria PJ, num primeiro momento, e uma procuradora do MP depois). Os advogados hão-de ocupar-se de perguntar pela autorização de um Juiz de Instrução Criminal, o velho Juiz de Garantias, que é suposto sindicar todos os actos investigatórios que comprimam as liberdades.

A questão de fundo é independente de quem autoriza. É se a busca é aceitável num Estado de Direito e, em particular, no nosso ordenamento legal. A resposta é NÃO.

Há cerca de um ano pôs-se um problema semelhante, altamente mediatizado, quando os computadores de dois jornalistas foram apreendidos no Jornal "24 Horas". Manifestada a oposição dos advogados do jornal, os computadores foram selados e acabaram por ser devolvidos sem que o MP lhes tivesse podido tocar.

Um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa ordenou a devolução, porque os Juízes Desembargadores entenderam que "numa sociedade de um Estado de direito democrático, subordinado à Constituição e fundado na legalidade democrática, para utilizar os termos do art. 3º, nº 2, da Lei Fundamental, não reclama, no caso em apreço, que seja colocada em causa a liberdade de imprensa num dos seus aspectos fulcrais. Afirmamo-lo porque nos parece, salvo melhor opinião, que o desvalor da conduta dos arguidos - desvalor que se pode avaliar desde logo pela moldura penal estabelecida para o crime em investigação, ou seja, prisão até dois anos, ou multa até 240 dias - está bem longe de reclamar o sacrifício do direito fundamental, ou um dos seus aspectos, vertido no art. 38º da CRP".

O artigo 38.º , sobre a "Liberdade de imprensa e meios de comunicação social", oferece-nos coisas essenciais:

1. É garantida a liberdade de imprensa.
2. A liberdade de imprensa implica:
a) a liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores, bem como a intervenção dos primeiros na orientação editorial dos respectivos órgãos de comunicação social, salvo quando tiverem natureza doutrinária ou confessional;
b) O direito dos jornalistas, nos termos da lei, ao acesso às fontes de informação e à protecção da independência e do sigilo profissionais, bem como o direito de elegerem conselhos de redacção;
c) O direito de fundação de jornais e de quaisquer outras publicações, independentemente de autorização administrativa, caução ou habilitação prévias.

No caso do "24 horas" estava em causa um crime de acesso indevido a dados pessoais, agora pondera-se uma eventual violação do segredo de Justiça, por publicação do despacho da procuradora Maria José Morgado a reabrir o proceso do Apito Dourado em que se investiga a "fruta" fornecida ou deixada de fornecer pelo FCPorto a ábitros de futebol.

Para o que interessa, ambos os crimes em discussão têm a mesma moldura penal. Sendo assim, cumpre perguntar:

1. Esqueceu-se o Ministério Público do acórdão do TRL sobre o caso do "24 horas"?
2. Se discorda, por que não recorreu do mesmo?
3. Se concorda, por que reincidiu na invasão de uma redacção?

Salvo os portistas mais ferrenhos, toda a gente espera que a procuradora Maria José Morgado devolva a verdade desportiva ao futebol, para ser possível a todos festejar campeonatos.

Por isso, é uma tristeza para todos assitirmos à máquina do MP ocupada com fenómenos laterais e, mesmo nestes, a violar as regras.

Para que servem estas buscas? Para matar desde já a enorme esperança criada com a nomeação de uma mulher a quem é reconhecida por todos coragem e competência? Para dar cabo do processo arquivado-reaberto? Para sossegar os culpados? Para meter medo aos jornalistas interessados em informar os portugueses interessados no sucesso do Apito Dourado?


Nós gostamos de futebol. Mas a maioria de nós gosta mais de ser livre.