sábado, 4 de junho de 2011

POR QUE VOTO

Tenho dificuldade em votar, sempre tive.

Optei há muito por uma profissão que me obriga a esmiuçar antes de decidir. A carga de informação a que fui sujeito – a que posso reproduzir e a que não posso, por não conseguir prová-la – impede-me de adesões “militantes” a qualquer partido. A realidade, caros amigos, é para mim muito complexa.

Poderia decidir-me por razões “ideológicas”, ou posicionar-me de acordo com a velha cartilha esquerda / direita. Não escondo a minha admiração pelas pessoas inteligentes e sérias que conheço em todos os partidos. Tenho até uma certa ponta de inveja pelo facto de terem alcançado uma síntese, um posicionamento político, o que para mim continua a ser dramático. As informações e leituras profissionais a que fui sujeito, à procura das causas das coisas, de explicações em vez de slogans, impedem-me de alcançar esse conforto. Julgo, sem hipocrisia, que tenho uma dificuldade de entendimento: não consigo simplificar a política. Costumo dizer, por brincadeira, que por pior tratamento que tenha dado ao cérebro ainda tenho células resistentes nos dois hemisférios. Por exemplo, sou mais à esquerda quanto aos sistemas de Saúde e mais à direita nos sistemas de Educação. E a minha maior certeza é a de estar disposto a evoluir de posição. A segunda maior é a de que serão necessários factos para isso.

Durante muitas eleições, era eu mais jovem, fui abstencionista militante. Não, não me abstinha por falta de interesse na Democracia e menos ainda por querer combatê-la. Simplesmente, confrontado na minha actividade profissional com tanta e tanta porcaria, preferia não ver, sequer, o meu nome riscado nos cadernos eleitorais. Mais ainda do que fugir a um “compromisso” eu queria isentar-me de responsabilidades. Não votando, ninguém podia considerar-me suspeito de cumplicidade nas trafulhices a que fui assistindo, algumas das quais me calhou noticiar.

A pequena notícia é que mudei radicalmente de atitude. Domingo vou votar e vou votar num partido do arco parlamentar. Não pretendo divulgar o meu sentido de voto, até porque não estarei nunca completamente seguro dele. Para ser verdadeiro, ponderei diferentes partidos. Mas quero partilhar que eu, abstencionista militante, sinto um grande dever de votar “dentro”. Por mais que isso ainda me custe, vou escolher um partido com condições para eleger deputados.

O que se passou em Portugal nestes anos é demasiado grave. Naquela época feliz em que fui abstencionista, o que nos aconteceu enquanto comunidade, por mais defeitos e problemas que já tivéssemos, era para mim inimaginável. Na Economia, claro, mas também na Justiça, na Saúde (sim, na Saúde!), nos negócios do Estado, no esmagamento das independências, até na comunicação social.

À minha profissão convém uma certa discrição, sobretudo em Portugal, um país onde muitas pessoas ainda confundem independência com um relativismo totalitário, sem qualquer conteúdo moral. Eu não escapo a essas facas. Mas o tempo, sobretudo o futuro, não está para hipocrisias ou calculismos.

Parece-me urgente e absolutamente necessário cada homem e mulher livre dizer ruidosamente aos políticos que não vale tudo. Que muitas instituições democráticas e muitas personalidades cobardes podem ter falhado no seu dever de proteger a Democracia, mas nós não. Nós vamos correr com quem nos quis controlar e nos guiou, a nós e aos nossos que estão a nascer, para muitos anos de sacrifícios evitáveis. Nós vamos mostrar a todos, os culpados e os cúmplices, que nos fazemos respeitar com as poucas armas que nos restam. Nós vamos mostrar que existimos.

Sócrates e o seu exército de colaboracionistas têm esse mérito: transformaram-me num eleitor compulsivo. Como não acredito que ele alguma vez mude, posso dizer que enquanto ele existir eu não falho uma mesa de voto.

Pensando bem, não mudei assim tanto. Sonho até com o dia em que possa voltar a ficar tranquilamente em casa, a fazer notícias e a ouvir música.