quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

112? AGUENTE AÍ, NÃO DESLIGUE!

"Não existem chamadas não atendidas pelo CODU de Lisboa e Vale do Tejo. O que existe efectivamente são chamadas que, sendo registadas na central telefónica, são abandonadas, são desligadas, pelo contactante na origem.

De facto, o tempo do contactante é um tempo psicológico que por vezes o leva a desesperar e a desligar.

Quando o contactante desliga a chamada qual foi o tempo que ele esperou pelo atendimento? Pois em média, nessas chamadas desligadas, o tempo médio foi de 55 segundos".

Tenente-Coronel Abílio Gomes, Presidente do INEM

Confesso que esta explicação do Presidente do INEM aos deputados da Comissão Parlamentar de Saúde não me poderia, digamos assim, ter surpreendido mais.

Já para a referência dele às "fontes sem ética", que andam para aí a "difundir" as centenas de chamadas perdidas pelo CODU de Lisboa, estava meio preparado. Isso mesmo: 50 %. Como não conheço o presidente do INEM e recebi de gente sensata boas referências dele, ainda tinha esperança de o ver cair para o outro lado.

Enfio já, com gosto, a carapuça. As "fontes sem ética" sou eu, que não me tenho cansado de difundir reportagens sobre este assunto na TVI.

Como fonte sinto-me encorajado a difundir aqui mesmo mais uma informação. Quanto à ética, fica para o fim.

Eu próprio liguei para o INEM e não fui atendido. Foi às 00:49 da madrugada do último Domingo. Para que não haja confusões: CODU de Coimbra.

Liguei por causa de um acidente na estrada entre a Bodiosa e S. Pedro do Sul. Estava um carro caído numa ravina e, com o breu da noite, ninguém sabia se o condutor estaria inconsciente lá em baixo.

Por isso, quando por acaso cheguei ao local, já várias pessoas tinham ligado 112. Sugestionado com tanta miséria que tenho visto para fazer reportagens sobre as ausências do INEM noutros sinistros, liguei directamente aos Bombeiros Voluntários de S. Pedro do Sul, que chegaram primeiro.

Quando o condutor regressou ao local, ileso, todos suspirámos de alívio. Achei que era minha obrigação ligar ao INEM para desmobilizar o meio. Só à segunda fui atendido. A operadora, impecável, agradeceu o meu gesto. Aproveitei para lhe perguntar se estavam com algum problema lá na central porque à primeira não tinha sido atendido. Percebi que a pergunta era incómoda, mas lá me foi explicado que, às vezes, o mau tempo dificulta as linhas.

Para o fim, informo com a ética toda. Não desliguei a primeira chamada. Foi a própria que se fartou daquele apito monocórdico e caíu. Se o Presidente do INEM estiver disponível para ser minha testemunha movo já um processo à Vodafone.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

CASA PIA: A REPORTAGEM




"A TVI desde o início acompanhou muito de perto o processo, fez reportagem, entrevistou vítimas e acusados, procurou produzir jornalismo sério e independente, mesmo quando vozes se levantavam tentanto limitar o trabalho dos seus repórteres".




Adorei esta apresentação da Ana Leal à Grande Reportagem Casa Pia: a Investigação, que assinou com o câmara Júlio Barulho e o editor de imagem Miguel Freitas.

Também acompanhei de perto o processo e apetece-me recordar duas coisas.

Entrevistámos vítimas para grande escândalo de tanta gente. Orgulho-me de trabalhar num meio de comunicação sem medo de ficar ao lado das pessoas, das mais desprotegidas de todas, como são as crianças sem pai nem mãe, institucionalizadas.

Isto é especialmente importante num tempo em que grande parte do jornalismo se senta à mesa de qualquer pequeno poder e se reduziu a um palco mais do pequeno tráfico de influências que deu cabo deste país.

Os meus públicos parabéns ao Miguel, ao Júlio e especialmente à Ana Leal que é, de facto, brilhante.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

JUSTIÇA DE ALTO NÍVEL

Lopes da Mota, antigo secretário de Estado do Governo Guterres, patrocinou uma animada reunião sobre o caso Freeport entre "uma equipa de alto nível da PJ e do MP" e a polícia inglesa.

A chefiar a delegação portuguesa esteve a procuradora-geral adjunta Cândida Almeida, que participou na Comissão de Honra da candidatura de Mário Soares à Presidência da República e depois investigou e arquivou o caso da licenciatura do primeiro-ministro, José Sócrates.

Que pensarão os ingleses, certamente representados por uma delegação de um nível não tão alto, digamos assim, da sofisticada separação de poderes da nossa Democracia?

sábado, 8 de novembro de 2008

O COMENTÁRIO QUE VALE A PENA

José, da Grande Loja do Queijo Limiano, vai mudar de página.

É por textos como este que é necessário persegui-lo.

Eu há muito que percebi que a Política, a Justiça e a própria imprensa se afastaram das pessoas.

Podemos ser traídos todos os dias pelas instituições democráticas, mas enquanto houver certos blogs elas (o Povo diz eles) sabem que não somos todos parvos.

sábado, 1 de novembro de 2008

UM EXERCÍCIO PERIGOSO


É possível ignorar alguns problemas durante algum tempo. Mas não se pode ignorar os problemas todos eternamente.

Enquanto houver pessoas a precisar de tratamentos médicos, de comprar medicamentos, ou de linhas de emergência, Ana Jorge está condenada a ser ministra da Saúde.

Como tenho muito respeito por ela faz-me impressão vê-la a jogar às escondidas com a realidade, como se algum
ministro da Saúde alguma vez lhe tivesse escapado.

sábado, 25 de outubro de 2008

AS TREZENTAS E POUCAS



O INEM, ATRAVÉS DE FONTE OFICIAL NÃO IDENTIFICADA, ACABA DE DIZER AO JORNAL DE NOTÍCIAS QUE NÃO PERDE, OU DEIXA POR ATENDER, QUATROCENTAS CHAMADAS DE SOCORRO POR DIA. "SERÃO ANTES TREZENTAS E POUCAS".

Lê-se e não se acredita. Mas é sintomático de duas coisas. Uma política de comunicação inaceitável num organismo público e, muito mais grave, uma inesperada irresponsabilidade social.

Primeiro, vamos à política de comunicação. A TVI noticiou há uma semana que o Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) de Lisboa do INEM, responsável pelo atendimento e accionamento de meios de socorro aos distritos de Lisboa, Santarém, Setúbal, Évora e Beja, chega a "perder" centenas de chamadas por dia. A reportagem, que pode ser vista neste excerto do Jornal Nacional de 6.ª feira, 17 de Outubro, às 21:08, não foi feita nas costas do INEM. Fizemos, cara a cara, a pergunta necessária à Directora de Emergência Médica do INEM e pusemos no ar a resposta. Esta semana, antes da nova notícia , o INEM foi previamente questionado sobre tudo: o caso concreto do esfaquedado que ficou meia hora à espera, o caso concreto de uma segunda-feira negra, e o caso genérico de toda a informação financeira e operacional disponível sobre o sistema informático. Trata-se de informação pública por Lei, mas o INEM não respondeu a nada. Preferiu ficar sentado a ver o jornal da TVI para responder a seguir, ao Jornal de Notícias, que as chamadas perdidas foram "trezentas e poucas". Ridículo.

Agora, a irresponsabilidade social. Ao contrário do que informa a fonte oficial do INEM, já antes da instalação, em Março, do módulo de georeferenciação do novo sistema informático, que custou uma fortuna, era possível medir o número de chamadas perdidas. Mesmo que não fosse, basta perguntar à polícia, que encaminha as chamadas 112, ou aos bombeiros, que recebem activações com meia hora de atraso, se sempre foi assim. Mas nem sequer é preciso a quem manda no INEM dar-se a tanto trabalho. Basta alguém do Conselho Directivo ter a coragem de descer uns andares e perguntar directamente aos operadores que atendem as chamadas.

Sempre houve chamadas perdidas? Residualmente, talvez. Porque se os senhores que mandam souberem ler, podem consultar os relatórios de actividades de 2004 e 2005 da instituição que dirigem. Aí ficarão a saber que os operadores de atendimento respondiam a uma média de cinco chamadas por hora. E agora, que o número de operadores foi drasticamente reduzido, seguindo a espúria tendência da administração púbica para poupar em recursos humanos e aumentar proporcionalmente os milhões disponíveis para negócios de contratação externa, quantas chamadas atende cada operador por hora e quantas perdem eles todos em conjunto? Agora, que bancadas inteiras de postos de atendimento foram retiradas da sala do CODU de Lisboa, que chegam a estar seis ou sete pessoas para atender as chamadas todas de socorro de cinco distritos, como é?


Claro, o que é preciso é comprar helicópteros para salvar a reforma louca de um ministro que sabia de tudo mais do que toda a gente. O que é preciso é montar um majestoso "hospital de campanha" e estacionar um batalhão de ambulâncias na Avenida da Liberdade por causa de um carro de fórmula 1 que anda por lá a fazer publicidade, não vá o carro despistar-se para cima das pessoas ou da própria estátua do Marquês.

A minha segunda maior curiosidade é saber se a ministra da Saúde vai engolir mentiras ou exigir soluções. A maior curiosidade de todas é contar quanto tempo vai durar esta irresponsabilidade grosseira que pode matar pessoas e certamente já matou algumas.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Música nova (1) - Yeasayer

Eu sei que são parecidos com os Talking Heads. E daí?

O álbum de estreia, All Hour Cymbals, é absolutamente bom. Disco do ano por aqui.

domingo, 28 de setembro de 2008

CLARO QUE NUNCA HOUVE PRESSÕES



"O Primeiro-Ministro referiu-se sim ao meu editorial sobre a OPA da Sonae e ao caso da licenciatura. Fez uma referência subtil ao facto de ter estabelecido uma boa relação com o Eng. Paulo Azevedo durante a OPA, o que queria dizer: fiquei com uma boa relação com o seu accionista e vamos ver se isto não se altera".

José Manuel Fernandes, director do Público, auto de declarações à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC).


Já cá se sabia que a ERC tinha feito o seu trabalho e sossegado as consciências quanto à feliz inexistência de pressões por parte do Primeiro-Ministro contra a publicação de notícias sobre a sua licenciatura.

Mas vale a pena a leitura dos documentos referentes à instrução desse processo, publicados sete meses depois da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos ter dito que não eram para ficar guardados.

O meu preferido, pela sofisticação semiótica com que decorreu o interrogatório, é o auto de tomada de declarações ao Jornalista Ricardo Dias Felner, de que deixo um pequeno excerto:

" (...) Ricardo Dias Felner: Eu acho que a forma como decorreram essas conversas (telefonemas de José Sócrates) não foi uma forma correcta do PM, ou do Gabinete do PM, se relacionar com os jornalistas.

Estrela Serrano (Erc): Correcta é diferente de ilegítima, não é?

RDF: Não sei.

Azeredo Lopes (Erc): Oh Dr. Felner, não vamos começar aqui com jogos de palavras. É que o correcto...

RDF: Isso é o que vocês querem que eu comente.

AL: Não, não é, faz bem em levantar essa questão, porque isto pode parecer uma insistência. A expressão correcto aponta, ou pode apontar, o Conselho não quer partir de pressupostos, com base nas suas declarações, que sejam injustas em relação ao que quis dizer. Como pode perceber, não é uma questão pequena, o conselho tem que ter o máximo cuidado em não extrapolar, em não analisar, ou tomar como certas, declarações num caso destes. Portanto acredite que eu não estou - e seguramente os meus colegas estão comigo - a tentar que diga alguma coisa, ou que não diga alguma coisa. (...)"

Sobre a ERC propriamente dita qualquer juízo está prejudicado por manifesta inutilidade superveniente. Os melhores são os internos e constam das actas que a investigação do jornal Expresso e a CADA lograram trazer a público.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

O GATO DAS SETE VIDAS FAZ UM ANO


Para o escravizado mordomo de um cão com blog era irresistível tornar-me assíduo do gato. O Petra faz que não gosta, como lhe compete, por isso visito-o às escondidas. A melhor hora é a terceira da madrugada, com o copo de plástico do último bombay da esplanada do miradouro a verter para o teclado. É como entrar numa casa de fado e gostar da música.

O gato é um escritor de canções. Letras longas, feridas fundas, densidade, lucidez e estilo. Uma incarnação improvável de Bruce Springsteen, Tom Waits, Albert Ayler, Chico Buarque e David Byrne. Ele que me desculpe, mas não consegui meter aqui a Mayra Andrade. Estou a sério e julgo ter encontrado a precisão jornalística.

Vi o gato uma vez na vida, na noite de Lisboa. Não me recordo do assunto, mas sei que nos entendemos. Não tem tanto a ver com estar de acordo como com estar-se acordado numa corda de trapézio a que se chama vida. Ele tem sete, por isso salta melhor e mais vezes. Fortuna dele, pequeno prazer de quem o visita, azar de quem o atiça.

domingo, 13 de julho de 2008

O ROCK EM LISBOA

O mais fantástico desta música popular urbana é continuamente aparecerem uns tipos a mandá-la para outro lado, "like a rolling stone".

Ontem isso aconteceu para mim com Neil Young em Lisboa, num sítio à beira-rio chamado Oeiras. Eu não sabia que o Neil Young toca guitarra à Jimmi Hendrix, nem que fazia a melhor versão dos Beatles depois da morte do John Lennon, por isso resolvi partilhar aqui essa experiência.

Perdoem ao locutor da TVE, que devia estar calado (por falar nisso, a realização vídeo do concerto em Oeiras foi bem melhor). Tal como calados deviam ter ficado aqueles palcos acessórios do "Optimus Alive", porque há poucas coisas mais estúpidas do que ouvir três concertos ao mesmo tempo. Neil Young deve ter imposto isso e quase conseguiu,mas o concerto do Bob Dylan, que é um tipo distraído, parecia uma feira.

terça-feira, 24 de junho de 2008

QUEM PRECISA DE UM NOVO AEROPORTO?


O Aeroporto da Portela, cujo esgotamento vem sendo anunciado desde Marcelo Caetano, que lançou os primeiros estudos para um novo aeroporto internacional de Lisboa, é capaz de ser demasiado valioso.

Localizado no interior da cidade, é o aeroporto com melhores condições meteorológicas da Europa para a navegação aérea e contribuiu seguramente para que Lisboa tivesse batido no ano passado todos os máximos de turistas estrageiros e de ocupação dos hotéis, sem ser preciso investir em estádios, como em 2004, ou em pavilhões e grandes empreendimentos habitacionais, como em 1998.

Claro que a urbanização daqueles terrenos, com vista privilegiada para o estuário do Tejo, também não teria preço. Pois, o problema do aeroporto é ser demasiado valioso.

Quem quiser pensar melhor sobre este assunto pode começar por visitar a Portela, primeiro junto à saída de emergência vizinha de Figo Maduro, depois do lado ocidental, a caminho da Alta de Lisboa. Estamos no Verão, altura de maior densidade de tráfego aéreo, a melhor para ficarmos zonzos com tanto movimento e tanto barulho anunciado.

Quem regressar espantado dessas visitas poderá ler "O Erro da Ota e o futuro de Portugal" (Ed. Tribuna da História, 2007), bem como este estudo de Rui Rodrigues. A reportagem da TVI sobre o assunto está na barra direita deste blog e chama-se "Aeroporto: a mentira".

Boa viagem!

segunda-feira, 9 de junho de 2008

NOJO


Acompanhei o caso como jornalista. Ana Sofia, 21 anos, alentejana, bonita, filha única, andava a estudar em Lisboa, como eu andei durante quatro anos. Numa tarde maldita interromperam-lhe o curso. Foi espancada, violentada, asfixiada e brutalmente assassinada por André Casaca, um ex-namorado movido a drogas pesadas, que no fim ainda tentou incendiar-lhe o corpo e meteu-a mesmo num caixote do lixo de Telheiras.

A besta, que eu vi, apareceu em tribunal sem pinga de arrependimento, altivo, arrogante, a defender uma tese de acidente. Tinha decorado o discurso de uma vítima. Mas as entranhas impediram-no de esconder, a cada palavra, o vento tempestuoso e frio dos carrascos. Os advogados dele ainda tentaram fazê-lo passar por maluquinho, que se escreve inimputável na retórica jurídica, mas não colou. Apanhou 22 anos de cadeia, onde seguramente continuará a andar movido a drogas (porque é proibido fumar em espaços fechados, mas para o Estado há espaços mais fechados do que outros).

O Casaca é todo ele consumo, não faz despesas de investimento. Não tem bens em nome dele e por isso não vai pagar um tostão pelos danos (alguém imagina?) causados aos pais da vítima. Daqui a uns dez anos, é quase certo, há-de sair a tempo de espalhar outra vez os seus violentos e frios direitos de cidadania. Ou alguém acredita no poder regenerador das cadeias portuguesas para tipos assim?

Mas apesar da falência técnica do carrasco, as contas não ficaram saldadas. O tribunal mandou uma última factura aos pais da Ana Sofia. Tomem lá 15 mil euros de custas judiciais porque estamos no Século XXI e temos Justiça. É o preço a pagar por quem não resolve a coisa à maneira antiga, sangue por sangue, morto por morto.

Esta história imoral vem hoje escarrapachada na página 21 do "24 horas" para nossa vergonha, vergonha, vergonha. Amanhã esta edição do jornal já vai estar esquecida. E na minha pacata cidade, bem refugidas dos camionistas, as altas figuras do Estado (qual Estado, alguém é capaz de me explicar?) vão fazer discursos de esperança e sorrir para as fotografias. Não posso lá estar mas vou pedir aos meus pais para aderirem ao protesto que anda a dar trabalho a uns policiazinhos vianenses, com ordens para se armarem em Pides. Vou dizer-lhes que conheci os pais da Ana Sofia em pleno julgamento. Vestirei eu também a minha camisa preta, que já usei para falar dos cegos abandonados pelos hospitais públicos.


Estou profundamente enojado e esse direito ninguém mo tira.

sábado, 7 de junho de 2008

NÃO ME GODAS, CORAÇÃO!



Hoje há feijoada cá em casa. Os amigos trazem paletes de minies e já estão a pedir para chegar mais cedo. O Petra cão acordou excitado. Desobececeu-me ainda mais do que o costume na rua. Percebi que já está em estágio.

Este extraordinário país adora futebol. O Torcato vai estar por todo o lado, mas terá de ser o Petra a escolher com quem fazer sociedade para os feijões. Quanto à frase dele, eu mesmo vou dizê-la porque não me sai da cabeça:

"Vamos lá ver se temos uma equipa operária".

Não me Godas, coração, já o oiço a responder. Aos gritos, porque ao contrário do que vinha escrito nos epitáfios, aqui nunca se exagerou nada, mas também não ficou nada por dizer.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

QUERIDO TORCATO



Hoje não sou capaz de te dizer nada por palavras.
Temos falado muito e tu sabes disso, eu sei que tu sabes disso.
Tu sabes que eu queria festejar, como nós combinámos
E como tu mereces (quem mais, querido Torcato?),
mas não consigo.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

O OFTALMOLOGISTA CIENTÍFICO



Este sr. dr. chama-se Jorge Breda e é presidente da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia.

Hoje, numa conferência de imprensa, anunciou que me queria "esfolar".

Serve este postal:

1) para informar a minha família de que estou vivo e sem nenhum arranhão;

2) para agradecer aos médicos meus amigos que se ofereceram para me curar de feridas sofridas no decurso do meu trabalho sobre Oftalmologia (começam a ser muitos!);

3) para tranquilizar o meu cão, que viu este sr. dr. na televisão e ficou nervoso;

4) para lembrar ao sr. dr. Breda o Código Deontológico dos Médicos:

Artigo 12.º
(Dignidade)

Em todas as circunstâncias deve o Médico ter comportamento público e profissional adequado à dignidade da sua profissão.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

ELES VÃO VOLTAR


Os cegos portugueses vão voltar a aparecer na televisão.

O último mês tem sido um fartote. Toda a gente fala em nome deles, toda a gente afinal tinha uma solução no bolso.

No nosso paradigma mediático tornou-se normal afastar os protagonistas reais das histórias.

Passei este tempo a falar com centenas de pessoas. Segunda-feira à noite elas contam o que há para contar.

P.S.: A Grande Reportagem "Em Terra de Cegos..." pode ser vista aqui.

sábado, 26 de abril de 2008

O DISCURSO

No último Conselho Nacional do PSD Santana Lopes fez um discurso radical contra o "excesso" de privatizações. Disse mesmo que "o País não aguenta mais o rumo que está a tomar". Ressalvou que têm de existir parcerias público-privadas, mas não como têm sido feitas até aqui.

Santana Lopes, antes do actual, foi o último primeiro-ministro de Portugal.

Hoje, na TVI, a Ana Leal contou a espantosa história da adjudicação do SIRESP, um sistema de informações de emergência e segurança. Custou 500 milhões de euros ao Estado mas ainda só cobre meia dúzia de distritos e todas as minhas fontes no terreno dizem que funciona mal.

O concurso foi lançado às pressas pelo Governo de António Guterres por causa do Euro 2004. Tão às pressas que só um consórcio ligado ao BPN se sentiu em condições de apresentar uma proposta de 500 milhões: multinacionais como a Siemens escreveram a dizer que não havia tempo para apresentar uma proposta séria.

Fomos a jogo sem o sistema, perdemos com a Grécia, mas mantivemos o concurso. O ministro de Santana Lopes, de seu nome Daniel Sanches, com carreira no BPN, adjudicou o concurso já depois do PSD perder as eleições. Pressionou Bagão Félix, ministro das Finanças em gestão, a assinar, com o argumento da "urgência" do sistema, usando até a morte de quatro bombeiros num incêndio.

O PS ganhou as eleições com maioria absoluta. José Sócrates, na campanha, prometeu baixar impostos e depois subiu-os, porque o País continuava de tanga.

O ministro dele, António Costa, pediu pareceres. O Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República disse-lhe que a adjudicação era nula, mas o negócio manteve-se com um descontozinho de 50 milhões.

A PGR investigou o caso, não interrogou os principais arguidos, como de costume excedeu os prazos de inquérito legalmente previstos e arquivou tudo por falta de provas.

Será que nestas eleições os candidatos do PSD vão discutir-se a eles próprios ou falar cá fora alguma coisa que nos interesse?

quinta-feira, 20 de março de 2008

A REMODELAÇÃO


Com o anúncio do regresso do Hospital Amadora-Sintra à gestão pública José Sócrates varreu Luís Filipe Menezes do centro político e remodelou verdadeiramente Correia de Campos, mas meteu-se num problema.

Luís Filipe Menezes pôs-se a jeito. Para um alegado candidato a primeiro-ministro que a dois anos das eleições assume que ainda não tem programa nem merece governar, o líder do PSD foi estrondoso a apresentar uma solução milagreira para o Serviço Nacional de Saúde: a privatização da gestão dos serviços públicos. Não lhe ocorreu explicar porquê. Talvez ninguém lhe tenha falado dos maus resultados da grande experiência europeia de parcerias público-privado na Saúde, as célebres PFI inglesas. Talvez não tenha perdido um segundo para pensar nas eternas divergências de contas entre a administração do próprio HAS e o Estado português. Que é isso da Administração Regional de Saúde, da ministra Manuela Arcanjo, do Tribunal de Contas e da Inspecção-Geral de Finanças? Que mal há em tantos dirigentes e organismos da coisa pública terem reclamado 15 milhões de contos de financiamento indevido e o Estado ter saído de um amistoso tribunal arbitral a pagar mais 6 milhões? Que mal há em não haver contas fechadas desde 2004? Luís Filipe Menezes deu uma de Margaret Thatcher de calças mas pareceu saído de um almoço de negócios, não de uma madrugada de estudo.

José Sócrates percebeu que podia resolver um problema que atinge injustamente a própria ministra da Saúde, Ana Jorge, ainda arguida num espantoso processo em curso no Tribunal de Contas, que visa obrigar um batalhão de ex-gestores da ARS de Lisboa a repôr verbas que o amistoso tribunal entre as partes deu como liquidadas. E não perdeu a oportunidade de varrer do centro político o líder da oposição. O eleitorado flutuante, que decide eleições, já percebeu a diferença entre iniciativa privada e confusão público-privado. E em época de crise são cada vez menos os que aceitam ter governos transformados em agências de negócios.

O regresso do HAS à esfera pública significa também a remodelação política de Correia de Campos. Não é preciso trazer para aqui informação de bastidores para sustentar esta ideia. O ex-ministro da Saúde sempre foi um entusiasta da gestão privada do hospital. Não é preciso recuar ao tempo em que Correia de Campos era presidente do Instituto Nacional de Administração, organismo que produziu um relatório confuso e inconclusivo sobre a avaliação comparada dos hospitais Amadora-Sintra e Garcia de Orta, de Almada. Basta recordar que o ex-ministro da Saúde acabou o mandato a defender a gestão privada em pleno Parlamento, quando o deputado João Semedo, do Bloco de Esquerda, o confrontou com o facto de o Estado não conseguir (outra vez!) fechar contas com o hospital de há quatro anos para cá.

Se José Sócrates fez duas vítimas num só discurso também deu uma cajadada na própria cabeça. Manteve os procedimentos em curso para concessionar a gestão de quatro novos hospitais a grupos privados, o maior dos quais, previsivelmente, à mesma empresa. Esta decisão, fora outras considerações, vai ter sempre à perna os argumentos demolidores do primeiro-ministro para afastar o grupo privado do HAS:

"Em primeiro lugar, a organização empresarial dos hospitais públicos é hoje um dos principais factores de modernização e racionalização hospitalar. Não há nenhuma razão para que o modelo dos hospitais EPE, que tem tido resultados positivos, não se aplique também ao hospital Amadora Sintra.
Em terceiro lugar, a experiência mostra que é difícil ao Estado acompanhar e assegurar o cumprimento integral dos contratos e a plena salvaguarda do interesse público em todas as situações. É, aliás, muito duvidoso que os eventuais ganhos de eficiência compensem os custos administrativos necessários ao controlo público dos contratos de gestão privada".

É o que se chama uma contradição política com incalculáveis milhões à mistura. Mas o líder da oposição, com as posições que assumiu, não pode tirar dividendos do facto. Se calhar é mesmo melhor guardar o resto do programa para mais tarde.

domingo, 16 de março de 2008

O meu privilégio


Passei quinze dias em Havana, uma cidade que me encanta, com um grupo de 150 algarvios cegos ou quase cegos que foram lá recuperar um direito fundamental: a visão. O direito a verem Vila Real de Santo António, a cidade que o Algarve mostra a Espanha, o Rio Guadiana, a família, os amigos. O direito a verem-se ao espelho. O João, nesta fotografia de reportagem à minha direita, tem 22 anos e está ameaçado por uma doença que leva à cegueira total, mas não quer desistir de ver a namorada brasileira que o meteu na adolescência. Policarpo, velho pescador de 81 anos, que passou a vida inteira no mar, precisa do olho que lhe resta para continuar a remar todos os dias para a sua Fernanda, a ilha que lhe tiraram de casa para um lar a quatro quilómetros a pé porque pensões de 200 euros não pagam tratamentos em casa.

Podem pensar que o melhor que um jornalista de 34 anos traz de Cuba é a vida de La Habana. Engano puro, mais puro do que os charutos. O que eu ganhei para a vida em quinze dias de reportagem foi um grupo de amigos. O João, o Poli, a Graciete, o Alfaro, o Ricardo que inventou a sueca com onze trunfos, a Madalena, o casal Nené, a Miraldina e a sua gata Tekas, a minha Calafate, o Manuel de Deus (um pinga-amor de 90 anos) e todos os que eu não conheci melhor porque quinze dias não é muito tempo. Comecei a contar a odisseia deles esta noite e amanhã a TVI vai pôr no ar uma grande reportagem. Estou profundamente inquieto porque não sei se conseguirei mostrar às pessoas quem eles são. Nem como foram tratados pelo Serviço Nacional de Saúde e pela Oftalmologia portuguesa.

Mas vou tentar. Isso vou.

sexta-feira, 7 de março de 2008

OS PROFESSORES



"Seria bom, Agatão, que a sabedoria fosse uma coisa que se pudesse transmitir, de um homem que a possui, a um homem que a não possui, mediante um simples contacto mútuo, tal como a água que passa para um copo vazio através de um simpes fio de lã"

Este excerto de O Banquete, de Platão, marcou-me profundamente na adolescência, época em que andei muitas vezes à guerra com professores. Foi no ensino secundário, ou talvez no agora denomidado 3º ciclo do ensino básico. Em boa verdade, o resto do diálogo socrático já se me passou, mas esta ideia ficou-me para sempre desde a primeira leitura.

Marcou-me como poucas coisas. Hoje tento analisar essa emoção. Esta frase antiga é sobre o problema eterno da transmissão do saber. Para mim, o que conta é que dá por adquirido que há mestres. Aliás, se não os houvesse, se não fossem então reconhecidos, estou certo de que os gregos não discutiriam o assunto.

Muitos dos meus problemas com a escola nasceram deste preconceito. Fui quase sempre injusto, é certo, mas parte das minhas revoltas com professores resultaram do facto de ter sido bem (mal?) habituado. Eu pertenço a uma geração de felizardos que teve contacto com mestres.

Tive uma professora primária, chamada Irmã Bernardete, absolutamente extraordinária e absolutamente competente. Devo-lhe, sem exagero, tudo o que fui capaz de aprender depois dela. No ensino secundário conheci depois os dois grandes professores da minha vida. Rui Leite Braga, que me ensinou História, e o Sócrates, meu professor de Filosofia no 12º ano, que tinha nome próprio mas era assim conhecido e assim vai perdurar enquanto um aluno dele estiver vivo neste planeta. Não me sinto ainda hoje capaz de escrever sobre eles.

Os nomes deles ficam aqui porque quero testemunhar que há grandes professores que nunca deram aulas numa universidade. Não sei se amanhã os grandes professores que eu não conheço se vão manifestar ou não. Acredito que sim depois das miseráveis incursões da polícia nas escolas. Quanto à política de Educação, não tenho nada a dizer porque a conheço pouco. Aguentei alguns anos a acompanhar o assunto, era Marçal Grilo ministro e eu jornalista iniciado de O Independente, mas fiquei tão esgotado com a experiência que, com a complacência dos meus chefes, nunca mais voltei a ele.

No entanto, retenho desse tempo em que acompanhava "o sector" (odeio esta palavra mas ponho-a aqui para vos lembrar como chamamos hoje às escolas) uma informação que me parece relevante. Os futuros professores entravam no ensino superior com notas miseráveis. Lembro-me de "sacar" das catacumbas mais obscuras do ministério um relatório da Inspecção-Geral da Educação que contava a história toda. Eram admitidos em cursos das Escolas Superiores de Educação, para professores do 1º ciclo, alunos com notas 6 e 7 a Português e a Matemática. Ou seja, no lugar da minha Irmã Bernardete muitas crianças deste desgraçado país aprenderam a ler e a contar com gente que nunca saberá ler nem contar, já não digo como ela. Foram para professores porque não tinha média para ingressar nos cursos de que gostavam.

Não me espanta que qualquer sistema de avaliação de professores seja uma década depois impraticável. Não sei, por falta de estudo, ajuizar sobre o sistema em discussão. Mas tenho uma ideia sobre o que faz falta às nossas escolas democráticas. Depois da massificação, que tentou dar a todas as crianças portuguesas iguais oportunidades de aprender e escolher um modo de vida, faz falta qualidade. Qualidade, um pouco mais de exigência e de mérito. As civilizações podem suceder-se que as escolas serão sempre o lugar dos escolhidos para transmitir saber e dos eleitos para o receber.

Numa sociedade consciente os professores seriam os melhores, ou pelo menos escolhidos entre os bons, teriam todos escolhido a carreira por vocação e seriam compensados moral e financeiramente por isso. Não vale a pena debater sistemas de aprendizagem ou de avaliação se os professores não o forem de facto. Só um doido discute como passar a água de um copo vazio a outro. Será que o Governo tem alguma política sobre isto? E a sociedade pensa no assunto ou está só a ver se ministra abana?

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

O ERRO DOS SAP






A partir da mensagem aos portugueses do Presidente da República tornou-se moda dizer que o problema da "reforma" da Saúde era de comunicação. Os defensores cegos do ministro, mais papistas que o Papa, interpretaram logo que Cavaco Silva caucionava a política e pedia apenas um exercício reforçado de relações públicas. Quem não gostava de Correia de Campos aproveitou para restringir o problema ao ministro, às suas aparições públicas, ao estilo truculento que sempre cultivou e que muitas vezes lhe rendeu louros. Esta última linha de pensamento era maioritária entre os socialistas.

Nunca achei que o sobressalto do Presidente fosse motivado pela comunicação e menos ainda que tivesse como objectivo provocar uma discussão nacional sobre o temperamento do ministro. Correia de Campos é como é e seria até desumano pedir-lhe para ser outra pessoa. Andou mal quando partiu uma cadeira à frente das televisões? É provavel que tenha sido demasiado simbólico para os nossos conhecimentos médios de semiologia, mas sobreviveu bem a isso. Não tinha razão quando disse que os médicos, ou os profissionais de saúde em geral, deviam lavar bem as mãozinhas? Claro que tinha. Expôs-se em ambas as ocasiões? De facto, mas é preciso todos os ministros serem iguais a Silva Pereira?

A avaliação da "reforma" da saúde não deve confundir-se com uma psicanálise de mau gosto ao ministro, mesmo que esse ministro tenha estado tão presente na vida de toda a gente como Correia de Campos.

A "reforma" da saúde começou por ser um instrumento mediático quase sem conteúdo. É bom lembrar que o anúncio de uma guerra às farmácias foi a grande notícia do discurso de tomada de posse de José Sócrates. Durante esse primeiro capítulo, a "reforma" da saúde era um precioso símbolo político, como a empolada guerra às férias dos juízes. Não mudou nada de importante e deixou os eleitores tranquilos, a assistir à tourada pela televisão. A "reforma" serviu então para cunhar o Governo de reformista (uma obsessão portuguesa) e para o primeiro-ministro se assumir como tal. Se os portugueses da rua lhe tinham dado uma maioria absoluta ele não podia falhar essa justa retribuição: mostrar quem manda.

O problema foi quando a "reforma" se deslocou para a vida real. Primeiro com as maternidades, depois com as "urgências". A "reforma das urgências", em boa verdade, ainda não aconteceu. Houve foi um documento técnico sobre as urgências, que ainda não saiu do papel, e uma "reforma" real dos SAP (serviços de atendimento permanente dos centros de saúde). E essa "reforma" tinha a morte lá dentro e pouco mais. Tratou-se de um monumental encerramento colectivo que Manuel Alegre dinamitou, um pouco tarde talvez, chamando-lhe colossal erro político. Acho natural e saudável que haja quem discorde do "erro", já não concordo que ainda se discuta o "político".

O documento técnico sobre as urgências não continha uma única linha sobre SAP. Nada. A não ser numa versão secreta, politicamente censurada (ou esquecida, para não ferir susceptibilidades), em que a comissão publicava (publicaria) a infindável lista de SAP a encerrar, com o cuidado de dizer que se tratava de "informação recebida das Administrações Regionais de Saúde". Esse grupo de peritos lá saberá porque acrescentou ainda uma "nota": "Este assunto não foi alvo de discussão na Comissão Técnica". Vade Retro, Satanás!

O presidente dessa comissão, António Marques, deixou tudo ainda mais claro numa entrevista emitida pela TVI. Reforçou que os peritos não gastaram um segundo com os SAP porque esse era um assunto de cuidados primários. E acrescentou que a ele não repugnava se alguns SAP, não podia dizer quantos, continuassem abertos, mesmo com o novo mapa das urgências no terreno. Recordo-me de provocar um pleonasmo:

_ "Abertos 24 horas?".
_ "Sim, 24 horas",
respondeu-me.

Mas, nesses tempos em que a "reforma" não tinha ainda estoirado estrondosamente no país real, era quase proibido pensar. Ou se era pel' a reforma ou se estava contra. A ideologia da "reforma" recusava dúvidas, análises concretas e qualquer invasão de casos reais, por mais graves que fossem. As objecções à "reforma" eram sempre interpretadas como totais. Não se podia duvidar das partes sem renegar o todo imaculado. Esse totalitarismo permitia alvejar à nascença a notícia de qualquer disfunção com acusações de demagogia e ignorância. A "reforma" tinha-se tornado auto-imune, como as piores doenças. A "reforma" era sempre boa porque obedecia a princípios correctos. Nem quando as ambulâncias do INEM continuaram a largar doentes nos SAP de Trás-os-Montes onde já não havia médico, mas apenas enfermeiro, a "reforma" admitiu quaquer diagnóstico externo.

Essa febre tomou conta do SNS. A "reforma" confundiu urgências com doenças agudas, princípios organizacionais e realidade, a província com Lisboa, distância e proximidade, críticas com afrontamentos pessoais. E cometeu ainda um erro de lógica mortal: trocou pressuposto por consequência, no que diz respeito ao INEM. As ambulâncias, as viaturas de emergência, os médicos e os técnicos qualificados apareceram quase sempre atrás dos casos, não é verdade? A Comissão Técnica bem escreveu (e até deu entrevistas) a dizer que o reforço sério dos meios de emergência era indispensável à reorganização do mapa. O que aconteceu? Não foi só o Gato Fedorento a perceber.

Quatrocentos anos depois de António Vieira, que continuamos a entregar aos peixes, para além da inveja devemos confessar outro pecado: o maniqueísmo. Um pensamento a preto e branco premeia a preguiça, talvez dê lugares e cultive simpatias, mas não transforma a realidade.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

O DILEMA DE ANA JORGE


Quando vi a entrevista de Manuel Alegre a Mário Crespo também senti que vinham aí notícias gordas. Ou a remodelação do ministro da Saúde, como mínimo, ou uma ruptura intestina de consequências difíceis de prever no partido do Governo, seguramente suficiente para impedir a renovação da maioria absoluta. Mas se é verdade que Ana Jorge é filiada no movimento de Manuel Alegre, também me recordo que o nome dela já havia sido insistentemente falado para a Saúde antes de outras remodelações, anteriores às eleições presidenciais (se a memória não me trai, nas vésperas da primeira nomeação de Correia de Campos, no ocaso do guterrismo).
A vida é assim. Agora também se falava de outros nomes, um deles com muita instistência (Adalberto Campos Fernandes) e não me surpreenderia se quem não passou de assunto de múltiplas conversas, a maioria das quais ao telemóvel, subisse no futuro ao poder. Os ministros são sempre transitórios (o primeiro erro que podem cometer é esquecerem-se disso) e o seu desempenho, pelo menos numa área tão participada socialmente pelos eleitores como a Saúde, depende quase sempre mais das circunstâncias que encontram do que das estratégias políticas com que tenham sonhado até à tomada de posse. Podemos ver nisso uma fragilidade da Democracia, eu inclino-me mais (e neste ponto mudei muito de opinião nos últimos anos) para a possilidade de ser a sua força.
O problema de Ana Jorge é que terá de concordar no discurso tanto como discordar na prática de vários pontos do projecto político para a Saúde que vai encontrar. Não será um dilema fácil, mas nenhum outro ministro teve dilemas simples para resolver. Ana Jorge poderá sempre ler Heráclito, famoso filósofo pré-socrático, à descoberta de operacionalizar o princípio segundo o qual tudo é e não é ao mesmo tempo. Mas talvez seja mais simples e eficaz recorrer à experiência profissional para dar notícias e tomar decisões. A quantos pais comunicou ela coisas difíceis e perante quantos, pelo menos em pensamento, se desculpou pelo que falha nos serviços de saúde? É certo que estes tempos gostam mais de grandes gestores mas talvez ainda não seja crime pensar como uma médica.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

GRAVE DEMAIS


A mulher de António Carlos Vasques Moreira (na foto, publicada no Correio da Manhã), primeiro ligou 112.
O tempo passou. Quanto tempo sentiu ela passar? Ela contou duas horas.
Depois fez uma segunda chamada, para a linha "Saúde 24", a dizer que não queria nada:
"Só quero saber onde reclamar, porque tenho o cadáver do meu homem à espera em casa".
A mulher de Manuel Silva levou-o à urgência do Hospital de Aveiro com uma crise de vesícula.
O tempo passou. Quanto tempo sentiu ela passar? Ela contou quatro horas.
Quando invadiu a urgência, porque o segurança tinha ido fumar um cigarro, encontrou o cadáver do homem, com uma maca em cima e sangue coagulado por baixo.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

A LUCRÉCIA


A Lucrécia, estrela triste de uma reportagem sobre listas de espera, o meu respeito.
Três anos praticamente cega à espera de uma cirurgia às cataratas.
Será que tem mesmo de ser assim?