terça-feira, 27 de março de 2007

E SALAZAR GANHOU O TELEVOTO


Um televoto é um televoto. Não vale a pena dramatizar.
Mas os resultados foram o que foram e sempre podiam ter tido outros. Não adianta fazer de conta.
Reabri quase institivamente este "discurso" do século XVI e encontrei lá, sublinhados no meu exemplar, previstas duas explicações para o nosso actual "resultado".


"A PRIMEIRA RAZÃO QUE LEVA OS HOMENS A SERVIREM DE BOAMENTE É O TEREM NASCIDO E SIDO CRIADOS NA SERVIDÃO"

"FAZEM TUDO O QUE FAZEM PARA GANHAREM FORTUNA... COMO SE PUDESSEM GANHAR ALGUMA COISA DE SEU, QUANDO DA SUA PRÓPRIA PESSOA NÃO PODEM DIZER QUE SEJA SUA. COMO SE FOSSE POSSÍVEL, NA PRESENÇA DO TIRANO, ALGUÉM POSSUIR O QUE QUER QUE SEJA, ELES FAZEM TUDO PARA ACUMULAR RIQUEZAS E NÃO SE LEMBRAM DE QUE SÃO ELES QUE LHE DÃO FORÇA PARA ROUBAR TUDO E TODOS, NÃO DEIXANDO A NINGUÉM NADA DE SEU"

LA BOÉTIE

quarta-feira, 7 de março de 2007

OBJECTIVIDADE E JORNALISMO

Tendo eu recebido alguns comentários interessantes ao meu "post" anterior, percebi a necessidade de esclarecer melhor o que me leva a atacar o conceito de "objectividade" na minha profissão.

Voltarei ao assunto assim que reunir tempo e concentração suficientes. Para já, gostaria apenas de dizer que o conceito de "objectividade" é uma má máquina de pensar o jornalismo e um mau critério para o discutir.

Parece-me mais útil abandoná-lo à procura de outros conceitos mais eficazes. A minha experiência leva-me a aderir aos quatro conceitos propostos por Dan Gillmor, originalmente citado por Luís Santos, professor de Comunicação Social da Universidade do Minho ( http://atrium.weblog.com.pt/arquivo/176820.html).

Gosto destes quatro, mas é óbvio que pode haver outros capazes de proteger com eficácia o que interessa. E o que interessa, para mim, são os bons valores que deram origem histórica a um modelo de jornalismo teorizado em torno da "objectividade". Esses valores são postos em causa quando a "objectividade" se profissionalizou tanto que deu origem a retóricas eficazes, capazes de catapultar as audiências de produtos de informação de grande consumo, mas muitas vezes enganadoras e, por isso, perigosas.

Antes de passar a citar, deixo a nova morada do blog de Luís Santos (que nunca contactei pessoalmente), a todos os títulos interessante para consumidores de informação:

http://atrium.wordpress.com/


O fim da objectividade

"Talvez esteja na altura de nos despedirmos carinhosamente desse velho pilar do jornalismo: a objectividade". É com esta frase que Dan Gillmor abre um texto polémico onde nos diz que muito do que foi construído em cima deste conceito tem apenas fundamentação empresarial e legal. Gillmor acrescenta, porém, que não devemos esquecer-nos dos princípios e valores que suportam o conceito, por forma a implementarmos quatro ideias menos ambiciosas e mais aptas a aplicação num novo ambiente mediático.


1 - Exaustividade (Thoroughness): fazer mais uma chamada, contactar mais uma fonte, confirmar mais um dado, ouvir mais um leitor/ouvinte/telespectador;

2 - Precisão (Accuracy): sempre os dados correctos;

3 - Equidade (Fairness): ouvir as várias posições e incorporá-las no trabalho (que não a "preguiça" de replicar mentiras ou distorções só para alcançar alguma equivalência, mesmo na presença de uma situação de claro desiquilíbrio), aceitar as correcções e precisões de quem lê/vê/ouve;

4 - Transparência (Transparency): a abertura é factor de credibilização do jornalismo; importa fazer todas as referências a materiais usados (links) e importa viver de forma equilibrada - atenta e consciente - com os nossos pre-conceitos (sou português, nasci nesta terra, tenho estes amigos, gosto deste clube de futebol, simpatizo com aquele político...).

quinta-feira, 1 de março de 2007

PRÓS E CONTRAS DAS URGÊNCIAS


"Antes de mais, deixe-me felicitá-la, Fátima. Por muito que eu tivesse uma boa máquina de propaganda, não conseguiria explicar tão bem aos portugueses o sentido desta reforma", começou por dizer o ministro da Saúde.

Era o início da segunda parte. Fátima Campos Ferreira (FCF), cada vez mais à vontade e mais eficaz na condução do programa, introduziu o ministro com os mapas da comissão ministerial das urgências na mão e os olhos na câmara. "Como vêem", a realidade das urgências "vai melhorar". Os mapas argumentavam que a percentagem de portugueses do território "vermelho", que vivem a mais de 60 minutos de uma urgência, vai diminuir drasticamente.

Depois FCF sentou-se, ao lado do ministro, o que constituiu uma inovação radical na retórica televisiva do programa. O ministro não esteve na primeira parte, não se sentou na bancada direita dos "prós", nem na esquerda dos "contras". Apareceu depois e ficou ao centro, partilhando o espaço cénico da moderadora, que não o interrogou de pé e, na prática, conversou moderadamente com ele (não resisto ao trocadilho). Dir-se-ia que, depois do "debate" técnico, Correia de Campos veio ajudar a ultrapassar pequenas divergências havidas na primeira parte. Depois de dias terríveis de contestação social e polémica política, o ministro pôde aparecer como o moderador institucional. E aproveitou bem a oportunidade.

Não sei se as divergências havidas na primeira parte, de tão pequenas, eram verdadeiras divergências.

Os dois médicos escolhidos pela produção do programa para desempenharem o papel de "contras" revelaram-se muitíssimo desconfortáveis na sua pele e não eram, verdadeiramente, "contras".

Se não, veja-se. O médico António Martins Baptista, primeiro "contra", abriu as "hostilidades" dizendo que não tinha "nada contra o ministro da Saúde, nem nada contra a comissão da reforma das urgências" e reconhecendo que uma "nova rede" de urgências é, ela própria, "urgente". O presidente da Ordem dos Médicos do Centro, José Manuel Silva (JMS), era o segundo "contra". Foi apresentado com um elogio de FCF "à comissão de médicos experientes de todo o país" que fez o relatório das urgências e estava sentada na bancada dos "prós". A moderadora perguntou-lhe: "Mesmo assim, por que está contra?". E o segundo "contra" sossegou-a: "Quero salientar o trabalho gratuito da comissão, que prova que os médicos também trabalham gratuitamente".

O único "contra" verdadeiramente "contra" falou na terceira parte, já depois da uma da manhã. Diogo Cabrita, médico cirurgião de Valença, assumiu "uma visão completamente dissonante" da escrita no relatório da comissão das urgências. Para mim, o debate começou ali, mas não durou muito tempo, porque este "contra" verdadeiramente "contra" foi ouvido em pacote com um grupo de presidentes de câmara, com direito a uns minutos cada um para explicarem as suas objecções particulares, e não pôde entrar em debate com o ministro, nem com os "prós".

Mesmo assim, Diogo Cabrita aproveitou o tempo para se demarcar de todos os presentes, como aqueles ciclistas que fazem fugas sem apoio da equipa nem concorrência dos adversários. Atacou o relatório porque "5 milhões de consultas anuais feitas nos serviços de atendimento permanente (SAP) dos centros de saúde desaparecem". Atacou a proposta da comissão de criação de serviços de urgência básicos (SUB) com apenas dois médicos, porque um pode ter de se ausentar para acompanhar um doente a uma urgência mais diferenciada e estranhou o "silêncio" da Ordem dos Médicos sobre o assunto. E causou o único embaraço da noite ao ministro, quando perguntou por que critério científico vai Coimbra manter duas urgências polivalentes abertas, "com 100 médicos a receberem para atender 35 doentes por noite".


Fátima Campos Ferreira continuou a defender abertamente a reforma e até disse várias vezes que "ficará para a história como a reforma Correia de Campos das urgências". A moderadora, honra lhe seja, assumiu a sua convicção, que me pareceu genuína, embora tenha revelado algumas lacunas de informação relevantes, como quando falou duas vezes da urgência "polivalente" de Viana do Castelo.

FCF só quis saber se o ministro assegurava que o INEM e os centros de saúde teriam meios reforçados para aguentar a mudança. Mas essas duas questões, que verdadeiramente representam as dúvidas dos "contras" e dos "prós", mesmo os da comissão, foram facilmente resolvidas com a promessa genérica de que tudo será melhor do que antes.

Nos dias anteriores, pessoas que conheço queixaram-se-me de terem sido "desconvidadas" para o programa. Essa questão deixou de ser relevante depois de visto o programa ele próprio e de ponderado o seu esmagador efeito de pacificação e quase abolição da discussão.Mas o programa, para mim, se não serviu para discutir urgências, é uma excelente oportunidade para se discutir jornalismo.

Ao contrário da maioria, não me choca que os moderadores tenham opiniões, desde logo porque são jornalistas e eu sei que os verdadeiros jornalistas, que estudam os assuntos, quase sempre formam opinião, ainda que raramente a complexidade da vida real lhes permita abolir a dúvida metódica e uma certa prudência.

Ao contrário da maioria, entendo que a "objectividade jornalística" é uma retórica desprezível e perigosa. O perigo não está num jornalista ter opinião, nem num programa que a difunda. O perigo está nas estratégias retóricas que levam os cidadãos a confundir uma opinião ou uma análise, por mais profunda que seja, com a "realidade".

Mas é claro que a subjectividade, por mais incontornável, não tem de impedir o jornalismo de acontecer. Numa sociedade aberta, a entrevista e o debate são óptimos instrumentos de informação. As perguntas incómodas e a "confrontação radical" de teses antagónicas permitem discutir a fundo as realidades mais complexas e esclarecer a maior quantidade possível de dúvidas de quem não tem acesso à discussão.

A única repugnância que tenho é com a encenação de uma falsa pluralidade, capaz de convencer quem não tem acesso à informação de que se fez um debate que ficou por fazer.