O Público, quando escreveu que a Presidência da República suspeita estar a ser alvo de vigilância ilegal do Governo, atribuiu a notícia a uma "fonte da Casa Civil" de Cavaco Silva.
Essa fonte foi identificada até onde era possível, nos termos do livro de estilo do Público, mas sem violar a decência de um contrato verbal de confidencialidade estabelecido entre o jornalista e a sua fonte, de resto protegido por qualquer manual de Jornalismo e até mesmo no código deontológico português:
"O jornalista deve usar como critério fundamental a identificação das fontes. O jornalista não deve revelar, mesmo em juízo, as suas fontes confidenciais de informação, nem desrespeitar os compromissos assumidos, excepto se o tentarem usar para canalizar informações falsas. "
O "DN", hoje, publica correspondência privada entre jornalistas do Público.
Trata-se de uma opção editorial arriscada.
Desde logo, nos termos do referido código deontológico português:
"O jornalista deve utilizar meios leais para obter informações, imagens ou documentos e proibir-se de abusar da boa-fé de quem quer que seja".
Depois, porque o "DN", que em tempos ficou famoso por divugar as próprias fontes, surpreende agora ao denunciar as fontes da concorrência. João Marcelino, numa nota da Direcção, justifica a publicação desta correspondência privada com o "interesse nacional".
A minha primeira pulsão, como jornalista, não será nunca a de criticar a divulgação por um jornal de informação que os seus jornalistas acreditam ser verdadeira, por mais que relativize a visão de cada um quanto ao "interesse nacional".
Mas há uma questão de decência.
Se o "DN" acha que pode invadir ou beneficiar da invasão de correspondência privada, ainda por cima para denunciar fontes confidenciais de informação de jornalistas de um jornal concorrente, deve ser consequente.
Quem é a fonte do "DN"?
Em nome do "interesse nacional" de João Marcelino, qualquer leitor que tenha comprado o "DN" de hoje tem o direito de perguntar:
Quem é a fonte do "DN"?
Se o "DN" acha que as fontes de informação podem ser divulgadas - e que nalguns casos de "interesse nacional" devem ser denunciadas - deve ele próprio denunciar:
Quem é a fonte do "DN"?
No caso em apreço, não é só uma questão de decência.
A traição do "DN" à sua fonte pode esclarecer a questão de fundo. Quem, em Portugal, anda a violar a correspondência de jornalistas? Será o SIS ou um gabinete ad-hoc de informações? E ao serviço de quem?
A notícia do "DN" é a materialização que faltava de um facto que porventura queria ridicularizar, no que à Presidência da República possa dizer respeito: há escutas e violação de comunicações privadas em Portugal, feitas à margem da lei e politicamente orientadas.
Depois, há outro problema.
O "DN" qualifica um contrato estabelecido entre uma fonte de informação e um jornalista do Público como "encomenda".
O termo "encomenda" qualifica, obviamente, os jornalistas que o usam.
O "DN" reconhece às suas fontes confidencias de informação interesse para alguma coisa? Ou acredita, como parece, que só recebe "encomendas"?
8 comentários:
A densa nebulosidade,
espessa e bolorenta,
acicata verbosidade
facciosa e poeirenta.
O respeito pela privacidade
não se aplica igualmente,
esta prova de autenticidade
de um regime demente.
Adenda:
A mediocridade santificada
opõe-se ao aprimoramento,
esta realidade intrincada
evangeliza o atrofiamento.
A mentira e dissimulação
colam-se a essa realidade,
originando a empalação
da falta de honestidade.
Notabilíssimo!
«há escutas e violação de comunicações privadas em Portugal, feitas à margem da lei e politicamente orientadas.»
Chama-se a isso chamar os bois pelos nomes. Evidentemente que O problema é esse, tudo o resto é fogo de vista.
Mais Cavaco menos Socrates, o problema está no âmago do país, da liberdade, dos direitos fundamentais.
Será assim tão difícil?
Parabéns pela lucidez do seu comentário!
Quando que li esta "notícia",considerei logo tratar-se duma gravíssima quebra da deontologia profissinal dos jornalistas.
Infelizmente há, e haverá sempre, gente sem carácter, que se presta a tudo.
A pergunta que eu sempre faço é: como é que gente desta tem condições para educar os filhos, se os tiverem? QUE PRÍNCIPIOS É QUE LHES PODEM TRANSMITIR?
Um abraço!
GPS
Li o seu artigo e não poderia estar mais de acordo. Eu próprio com formação na antiga escola de Jornalistas que deu grandes nomes a este País, optei por não exercer a profissão, simplesmente porque hoje, salvo rarissimas excepções, não há jornalismo em Portugal. Os meios de Comunicação social foram transformados em agenências de marketing, quem afronta o sistema acaba cilindrado. Veja-se o caso da MMG e agora do Publico.
Goste-se ou não da abordagem que a MMG fazia à apresentação das suas peças, o facto é que foi através dela que soubemos de casos como o Freeport, que levariam mais tarde ao seu afastamento. O mesmo acontece com o Publico, depois de ter passado para a população o caso da Licenciatura, que já circulava na net no blog do ABC.
Ambos os OCS, que ousaram contrariar o sistema são cilindrados, este último utilizando outro OCS, o DN e o seu servil director.
Caríssimos:
Os mais velhos da minha família, quando em criança comecei a dizer que queria ser jornalista, usaram alguns argumentos, entre os quais a invocação do saber popular: "Os erros dos jornalistas ficam sempre à vista (os dos advogados metem-se na cadeia, os dos médicos enterram-se e por aí fora).
Sinto necessidade de discutir permanentemente a profissão, com amigos do mesmo ofício, mas sobretudo com pessoas alheias a ele.
O debate público sobre jornalismo em Portugal é pobre intelectualmente. Anda demasiado agarrado a lugares comuns e a conceitos que não valem nada, porque não são operativos, não ajudam a criticar nem a pensar a profissão e o seu papel numa sociedade com aspirações à Liberdade.
Posto isto, deixo-vos um comentário que escrevi no dia 5 de Setembro, no Blog Porta da Loja, do José. Foi feito de rajada - tem pois o inconveniente de me ter "defendido" menos do que costumo, para um galego.
(... 5 set 09...)
A comunicação social portuguesa, vista na sua generalidade, tornou-se conservadora, no pior sentido da palavra. Por isso, várias vezes, o povo surpreendeu em eleições a chamada "opinião pública" publicada.
O jornalismo português, visto na sua generalidade, é manso. Na sua prática diária, institucionalizou-se. A maioria das notícias são pré-fabricadas. Toda a gente percebe que aquelas reportagens de dois minutos, em que um ministro ou um político da oposição dizem uma "novidade" qualquer fazem parte de uma construção contínua, passiva e artificial da realidade.
A críticas, os filtros, as dúvidas, a desconstrução das encenações e até as pergutas desapareceram da maioria das "reportagens". O confronto político, sem o qual nenhuma sociedade é verdadeiramente livre, com aquilo que lhe é servido todos os dias por peças informativas tão limpas como os anúncios publicitários, foi relegado para os "espaços de opinião".
E na opinião, o que é que temos? Maioritariamente, políticos sem verdadeira opinião, que apenas representam a opinião do momento - táctica, circunstacial, sem grandes exigências de coerência ou praticabilidade - do seu partido. E uma série de comentadores "engajados", alguns deles postos a controlar jornais, que só não são mais perigosos dada a flagrante irrelevância e incapacidade para convencer alguém.
A tribo dominante agarra-se pois à "objectividade", um conceito absurdo, como critério único para o jornalismo. A palavra "verdade", que dói mais, é em regra afastada dessas críticas.
Claro que qualquer manual de jornalismo, para não invocar aqui séculos de filosofia, há muito não só abandonou como denunciou o perigo para a democracia desse conceito.
O que é a objectividade? Será o Jornal da Uma da RTP, que acabei de ver? Uma hora e tal que reduziu o primo do Freeport a uma carta anónima? Que não tratou o caso do momento, nem para citar o PR? Que apresentou a ministra da Educação a falar duma coisa qualquer irrelevante, várias iniciativas e intervenções do PM sobre assuntos escolhidos por ele e duas peças sobre as opiniões de Mário Soares, o tal candidato que foi repudiado pelo povo nas presidenciais?
De facto, todas as "reportagens" estavam certinhas e todos eles foram muito bem citados. Eis a objectividade.
O agendamento de notícias, esse, não se discute. Que notícias são escolhidas, quais ficam de fora?
Nos últimos anos, há um exmplo que me envergonha como jornalista. António Balbino Caldeira, cidadão de Alcobaça, sozinho, sem os meios ao dispor das redacções, investigou, publicou - foi processado e ganhou em tribunal - a história da licenciatura de JS. Todos os meios de comunicação ignoraram o assunto durante um ano, até se tornar insuportável.
E que assuntos serão ignorados agora, todos os dias? Que perguntas ficam por fazer?
Eu, que tenho carteira profissional, digo-vos que António Balbino Caldeira foi o melhor jornalista desta legislatura.
obrigada enes, pena é que muitos ? fiquem por aí numa "qualquer gruta obscura".
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