segunda-feira, 27 de abril de 2009

JORNALISMO

Se contar com o jornal da Biblioteca Infantil e Juvenil de Viana do Castelo, o jornal do liceu que dava uma bronca a cada número, mais os relatos de hóquei e os directos de bobine ao ombro na Rádio Alto Minho, já sou jornalista há uns 30 anos.

Foi "O Independente", à saída da faculdade, que meu deu uma carteira profissional. Entrei no jornal que para mim era o jornal porque comprei um bilhete de comboio. No lugar ao lado do Intercidades, nessa sexta-feira, estou a ver o Pedro Loureiro, aspecto desarrumado de gajo porreiro. Abri a edição dessa semana e ele fez "play" num CD, ainda por editar, dos Bandemónio.

Foi ele que meteu conversa. Perguntou-me se podia ver o jornal. Respondi sim, toma lá, os jornais foram feitos para serem lidos, ainda mais do que comprados, com aquela arrogância de quem anda a estudar jornalismo. E aproveitei para lhe sacar os "headphones" e o Pedro Abrunhosa, que um gajo a estudar a 370 km de casa aprende a ser descarado. O Pedro, um dia eu conto, meteu-me lá, meteu-me nisto. Foi ele, fotógrafo de "O Independente" e passageiro da mesma viagem, o culpado.

No jornal aprendi o que é uma notícia. No segundo andar da Redacção havia uma folha A4 colada ao vidro do aquário. Já não me lembro dos termos exactos, mas era mais ou menos: "Notícia é o que um jornalista tem boas razões para contar e alguém tem boas razões para não querer que se saiba". A frase, por mais elaborada que fosse nos termos originais, não despertava sobressaltos. Eu e os outros jornalistas trabalhávamos rodeados de jornalistas e leitores que pensavam assim. Renegar as notícias seria absurdo.

Ainda hoje me lembro dessa frase sem sobressaltos mas estou cada vez mais só. Ao longo destes anos o ambiente mudou: a regra tornou-se excepção. A maioria das notícias, hoje em dia, são o que alguém quer que se saiba. Até se fazem manchetes de grandes jornais que não são novidade, não são notícia, pela simples razão de que alguém quer muito que se saiba.

Esse alguém não é o povo (já quase soa estranha, este palavra) consumidor de jornais. O jornalismo institucionalizou-se. Os jornalistas arranjam empregos com os políticos, comem à mesa dos banqueiros, frequentam as mesmas lojas, realizam-se com ascensões socias estranhas à profissão. Muitos jornalistas começaram a fazer parte daquela entidade a que o povo (não tenhamos medo dela) chama "eles".

Ao mesmo tempo, os factos foram substituídos por uma sofisticada retórica de "objectividade" e "equilíbrio" - totalitária - e por um processo de intenções ao menor desvio. As notícias já não são julgadas por serem verdadeiras ou falsas, mas por serem "a favor" ou "contra". A realidade foi disciplinada como a classe: não investigarás, dirás o que eu te digo; quando, por azar, não tiver sido eu a dizer-te, escreverás "alegadamente".

Não contem comigo para essa merda. Eu faço notícias e olho as pessoas do meu bairro nos olhos. Prefiro trocar de profissão a fazer outra coisa. Podem até obrigar-me a mudar de vida mas jamais a renegar a que tenho há 30 anos.

8 comentários:

Gonçalves disse...

Parabéns, pela forma de pensar, de estar e acima de tudo de fazer "notícias e olho as pessoas do meu bairro nos olhos".
Cá continuarei a acompanhar.

Abraço,
Pedro Gonçalves

Doca Seca disse...

Cada vez há mais medrosos ou merdosos, vai dar ao mesmo.
As pessoas medem-se pelo carácter, o resto é apenas acessório.

dalmata disse...

Crónica do Mário Crespo

"Já há mais jornalistas a contas com a justiça por causa do Freeport do que houve acusados por causa da queda da ponte de Entre-os-Rios. Isto diz muito sobre a escala de valores de quem nos governa.

Chegar aos 35 anos do 25 de Abril com nove jornalistas processados por notícias ou comentários com que o Chefe do Governo não concorda é um péssimo sinal. O Primeiro-ministro chegou ao absurdo de tentar processar um operador de câmara mostrando que, mais do que tudo, o objectivo deste frenesim litigante é intimidar todos os que trabalham na comunicação social independentemente das suas funções, para que não toquem na matéria proibida.

Mas pode haver indícios ainda piores. Se os processos contra jornalistas avançarem mais depressa do que as investigações do Freeport, a mensagem será muito clara.

O Estado dá o sinal de que a suspeita de haver membros de um governo passíveis de serem corrompidos tem menos importância do que questões de forma referentes a notícias sobre graves indícios de corrupção. Se isso acontecer é a prova de que o Estado, através do governo, foi capturado por uma filosofia ditatorial com métodos de condicionamento da opinião pública mais eficazes do que a censura no Estado Novo porque actua sob um disfarce de respeito pelas liberdades essenciais.

Não havendo legislação censória está a tentar estabelecer-se uma clara distinção entre "bons" e "maus" órgãos de informação com advertências de que os "maus" serão punidos com inclemência.

O Primeiro-ministro, nas declarações que transmitiu na TV do Estado, fez isso clara e repetidamente. Pródigo em elogios ad hominem a quem não o critica, crucifica quem transmite notícias que lhe são adversas. Estabeleceu, por exemplo, a diferença entre "bons jornalistas", os que ignoram o Freeport, e os "maus jornalistas" ou mesmo apenas só "os maus", os que o têm noticiado.

Porque esses "maus" não são sequer jornalistas disse, quando num exercício de absurdo negou ter processado jornalistas e estar a litigar apenas contra os obreiros dos produtos informativos "travestidos" que o estavam a difamar. E foi num crescendo ameaçador que, na TV do Estado, o Chefe do Governo admoestou urbi et orbi que, por mais gritantes que sejam as dúvidas que persistem, colocar-lhe questões sobre o Freeport é "insultuoso", rematando com um ameaçador"

Poderia dizer-te muitas coisas, que estou solidária, que concordo contigo, que é uma nojeira o que se está a passar, que a maioria da classe política (felizmente não toda) vive na pocilga e comporta-se como os porcos, mas não preciso.

Deixo-te apenas esta crónica de um jornalista que também admiro muito (sempre a seguir a ti claro!) e digo-te o mais importante: "Não estás sozinho na tua caminhada!"

Cidália disse...

..."Os jornalistas arranjam empregos com os políticos, comem à mesa dos banqueiros, frequentam as mesmas lojas, realizam-se com ascenções socias estranhas à profissão. Muitos jornalistas começaram a fazer parte daquela entidade a que o povo chama "eles".

Shiiii! Grande cacetada. "eles" (esses)merecem...

Eles não contam contigo mas nós podemos contar...ainda bem que assim é!

Anónimo disse...

Continue assim, não se desvie um milímetro que seja. Deixe que "eles" se juntem irmãmente, "nós", deste lado, precisamos de si, do que nos diz e como nos diz. Ânimo e bem-haja!
RMR

joshua disse...

Firme entre os firmes!

Abraço!

manuel gouveia disse...

Mudamos com os tempos, soçobramos sem honra!

Vítor Soares disse...

Eu já mudei de vida...
Abraço solidário