Quem acha que as comissões de exame prévio foram há muito extintas talvez não tenha visto este vídeo.
As nossas administrações hospitalares não usam lápis azul, mas contratam exércitos de seguranças. O princípio é o mesmo: vem cá o senhor ministro? Filmem à vontade (e os doentes que não queiram aparecer que fujam das câmaras). O senhor ministro não vem? Então não se filma nada.
Constituição da República? "Isso aqui dentro não interessa nada." Lei 1/99, Lei 64/07? "Cá dentro quem manda é a administração".
Em regra, "a administração" acha que os jornalistas têm de pedir "autorização" e esclarecer previamente o "assunto" e o "ângulo" da reportagem.
Deste vez, a medalha de mérito do lápis azul coube ao Dr. Manuel Delgado, do Hospital Curry Cabral, e à Dra. Teresa Sustelo, do Hosp. de S. José (CHLZC).
José Miguel Boquinhas, do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, deixou a reportagem acontecer e influenciou-a com informação, em lugar de seguranças. E não consta que a reportagem lhe tenha roubado algum bocado ao hospital.
sexta-feira, 7 de dezembro de 2007
O TESOURINHO DEPRIMENTE DOS HOSPITAIS
quarta-feira, 21 de novembro de 2007
OS OUTROS PROCESSOS CASA PIA
Vítima que acusou Pedroso ganha acção

O antigo aluno da Casa Pia João A. (nome fictício) não vai ser julgado por ter acusado Paulo Pedroso de estar envolvido no escândalo de abusos sexuais com jovens da instituição.
Notícia Correio da Manhã
A juíza Ana Marques da Silva, do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, numa decisão instrutória com a data de ontem, determinou que o antigo casapiano não deve ser julgado (difamação agravada) por ter dito à TVI, no dia 21 de Maio de 2003, que tinha sido abusado por Paulo Pedroso.
Nessa entrevista, João A. adiantou ainda que conheceu o antigo deputado do PS na casa de Jorge Ritto, o embaixador que está a ser julgado no Tribunal de Monsanto ao lado de Carlos Cruz, Ferreira Diniz, Hugo Marçal, Gertrudes Nunes, Manuel Abrantes e Carlos Silvino. Paulo Pedroso intentou uma queixa- -crime contra João A., Manuela Moura Guedes e José Eduardo Moniz mas o Ministério Público (MP) determinou o arquivamento dos autos na parte respeitante ao antigo aluno da Casa Pia.
No entanto, Pedroso avançou com uma acusação particular – imputando aos arguidos a prática de um crime de difamação agravada – que não foi seguida pelo MP. Moura Guedes, Moniz e João A. requereram a abertura de instrução. E, ontem, a juíza Ana Marques da Silva considerou que Manuela Moura Guedes denotou cuidado na condução da entrevista e que não ensaiou com João A. as declarações que este prestou, ao contrário do que alegava Pedroso.No caso de José Eduardo Moniz, a magistrada observou que o director-geral da TVI encontrava-se em Espanha (Sevilha) para assistir à final da Taça UEFA em que o FC Porto venceu (3-2) o Celtic.
Quanto a João A., a juíza Ana Marques da Silva lembrou que há provas de que foi abusado sexualmente entre os 14 e os 16 anos – “apresenta sinais a nível do ânus amplamente compatíveis com a prática continuada de coito anal” – e que o exame pericial à sua personalidade realizado no âmbito do processo Casa Pia concluiu que não inventou as situações de abuso que descreveu às autoridades. De acordo com a decisão instrutória da juíza, o exame atesta que não foi detectada qualquer “psicopatologia grave ou perturbação da personalidade caracterizada pela tendência à fabulação ou à fantasia” que, “de algum modo, interfira na capacidade de avaliação e adequação à realidade” e que João A. tem uma “eficiência intelectual e cognitiva situada ao nível normal médio”.
O QUE DIZ A JUÍZA
[Exame pericial à personalidade de João A. revela] coerência e consistência das descrições, onde não se detectam erros grosseiros nem elementos que possam ser interpretados como factores de simulação ou de dissimulação e aparente autenticidade das emoções que acompanham os relatos, que lhe conferem a dimensão das experiências vividas. Temos assim que, no entender deste tribunal, e ponderados os elementos indiciários supra elencados, [estes] apontam mais para a não falsidade das declarações do que para a falsidade das mesmas.[Paulo Pedroso não provou que] não conhecia pessoalmente o Dr. Jorge Ritto, que nunca (...) esteve em casa do Dr. Jorge Ritto (...) nem ainda que nunca praticou actos sexuais com menores de 18 anos, nem assistiu à prática dos mesmos.Também o testemunho de (...) Ferro Rodrigues se revela inconclusivo sobre a veracidade ou falsidade das declarações do arguido [João A.]. É indubitável que, à data (e já desde Novembro de 2003, dada em que veio a “lume” a primeira notícia), tudo quanto se relacionasse com a “Casa Pia” e alegadas práticas sexuais com menores institucionalizados, era matéria de interesse público.Juíza Ana Marques da Silva, do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa
PEDROSO RECORRE
João Pedroso, irmão e advogado de Paulo Pedroso, disse ontem ao CM que, “obviamente”, vai recorrer para a Relação de Lisboa da decisão da juíza Ana Marques da Silva. “Este acórdão é contrário ao que foi proferido no caso Jaime Gama. Lembro, ainda, que o dr. Paulo Pedroso não pode ser julgado [processo Casa Pia] dado que já houve duas decisões favoráveis em tribunais de primeira e segunda instância.”
MANUELA TRANQUILA
Manuela Moura Guedes disse ontem ao CM que “nunca duvidou” da “autenticidade” das declarações de João A. “É um jovem que sofreu muito e que passou por situações que o vão afectar o resto da vida”, disse a subdirectora de informação da TVI, frisando que a decisão da juíza Ana Marques da Silva mostrou que as regras deontológicas foram respeitadas.
Octávio Lopes / Ana Luísa Nascimento / E.N.
segunda-feira, 19 de novembro de 2007
O LIVRO

Eu já devia saber que o romance é uma arma. Mas hoje aprendi que pode ser usado habilmente contra o segredinho de Justiça maximalista imposto a este país, que impede o acesso do povo ao verdadeiro conhecimento da Justiça.
Não conheço ainda o livro, mas pelo que reconheço ao autor vou lê-lo.
Fica a notícia:
«Apito Dourado»
Advogado de inspectores da PJ vai lançar livro
Notícia TVI
O romance recheado de factos reais fala sobre a corrupção no futebol.
O livro de Carolina Salgado sobre corrupção no futebol já tem sucessor à vista. Desta vez é o próprio advogado dos inspectores da Polícia Judiciária a editar um romance sobre o assunto, recheado de factos reais. Para aumentar a polémica, António Pragal Colaço vai juntar ao processo «Apito Dourado» o caso Mantorras, que acabou por ser arquivado. O resultado é um livro polémico, não só sobre corrupção, mas também sobre a justiça.
Pragal Colaço, para além de ser advogado dos inspectores da Polícia Judiciária defendeu o árbitro Jacinto Paixão no processo «Apito Dourado» e o empresário Paulo Barbosa no inquérito ao negócio da transferência de Mantorras.
Depois do livro de Carolina Salgado ter dominado as vendas o ano passado, este Natal há um novo livro sobre os bastidores do futebol pronto a encher muitos sapatinhos.
sábado, 17 de novembro de 2007
AS JUKEBOX

sábado, 10 de novembro de 2007
O IMPRESCINDÍVEL BOICOTE

Este apelo de Mário Bettencourt Resendes tem de ser lido por todos:
sexta-feira, 9 de novembro de 2007
OS PREÇOS ILEGAIS DA CP

Mas já estou habituado a que nada, ou quase nada, tenha consequências, se quem tem responsabilidades não quiser que tenha. A DECO e um deputado, de seu nome Fernando Santos Pereira, já tinham dito que o rei vai nu e que os preços eram ilegais. Foram desmentidos por todos: CP, Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, que devia assumir funções de regulador imparcial do mercado, e pela própria Secretaria de Estado dos Transportes.
Pois bem. O PGR recebeu há meses o deputado (e o dossier sobre o assunto) e reagiu rapidamente. Numa resposta que a TVI noticiou hoje, explicou que detectou mesmo irregularidades no tarifário e que remeteu o dossier ao procurador da república-coordenador dos Juízos Cíveis de Lisboa, para eventual levantamento de uma acção inibitória prevista na Lei do Consumidor, cuja finalidade é corrigir a ilegalidade.
Talvez seja desta que o tarifário vai mesmo ser alterado. Talvez.
sexta-feira, 2 de novembro de 2007
A OUTRA LISTA DE ESPERA

Há 382 mil doentes à espera de uma primeira consulta nos hospitais públicos. A TVI divulga, pela primeira vez, um número nacional das listas de espera para consultas. A informação resulta de um inquérito aos hospitais, nunca divulgado, feito pela inspecção-geral do Ministério da Saúde em 2006. Somando consultas e cirurgias, há quase seiscentos mil doentes em lista de espera nos hospitais públicos, mais de cinco por cento da população.
segunda-feira, 10 de setembro de 2007
TRÊS ANOS DE JULGAMENTO

O colectivo de juízes, ao contrário do que é habitual, só trabalha neste processo. Ana Peres, Lopes Barata e Ester Santos só têm de concentrar-se nos 202 volumes, 550 apensos e mais de 47 mil folhas sobre a pedofilia na Casa Pia e com mais nada.
E ninguém pode acusar os juízes de falta de empenho: até ao momento já presidiram a 322 sessões de julgamento. O problema é que, mesmo assim, das 920 testemunhas arroladas, falta ouvir 230: 25 por cento, uma em cada quatro testemunhas. E estão ainda pendentes de decisão do tribunal 60 diligências de prova requeridas pelas partes.
Implicitamente, os juízes têm atribuído a demora à enorme conflitualidade processual dos advogados. Antes das férias judiciais, Ana Peres divulgou uma estatística: os sujeitos processuais já fizeram 1439 requerimentos e desde o início do inquérito já foram interpostos 133 recursos. Os diferentes juízes já tiveram de produzir 1280 despachos.
Mas há outras explicações para o arrastar do julgamento. O colectivo de juízes optou por dar às defesas garantias pouco habituais e por analisar a prova testemunhal até à exaustão. Sobretudo nos primeiros meses de julgamento, os advogados tiveram direito a todos os incidentes e a todas as perguntas.
Os interrogatórios, mesmo por iniciativa dos juízes, tornaram-se exaustivos. A ex-provedora Catalina Pestana, por exemplo, não é testemunha directa de nenhum crime. Mesmo assim, foi interrogada durante 16 sessões e ocupou quase um mês e meio de julgamento. Falou de tudo e mais alguma coisa, como por exemplo o número de camas das antigas camaratas da Casa Pia.
quarta-feira, 8 de agosto de 2007
O TRUQUE DOS BILHETES DE COMBOIO

O militar não quis gravar mas disse-me que aprendeu o truque com "o pessoal do quartel". Há classes com espírito de corpo.
Neste ponto, a CP assume que o razoável (tirar um único bilhete), afinal, não é a regra: é a excepção. Toda uma nova teoria económica e um novo Direito do Consumidor poderão brotar desta originalidade.
3. "A CP está a trabalhar no sentido de uniformizar a venda de títulos de transporte em todos os seus canais de venda e, em paralelo, a instruir os seus funcionários no sentido de informarem previamente os clientes sobre as várias opções".
sexta-feira, 20 de julho de 2007
O SEGREDO E O SIGILO

Os jornalistas vão ter de esconder o que hoje devem divulgar. E vão ter de denunciar quem neles confia.
Estes actos são ignóbeis.
Como pode um jornalista esconder aquilo que sabe?
Como pode um jornalista entregar o nome dos que nele confiam?
Como pode um jornalista assim cumprir minimamente o seu dever constitucional de contribuir para o direito dos cidadãos a serem informados?
A desonra não pode ser instituída por decreto.
Alguém me poderá obrigar a ter nojo de mim próprio?
quarta-feira, 18 de julho de 2007
OS GENÉRICOS MAIS CAROS DA EUROPA

Se o descarregarem para o ampliar, ficarão cara a cara com uma originalidade portugesa. Somos o único país da Europa em que a quota de mercado de genéricos é maior em dinheiro (barras pretas) do que em quantidade de embalagens comercializadas (barras brancas).
De acordo com o Infarmed, a quota de mercado dos genéricos acumulada nos primeiros seis meses deste ano (até Junho) é de 11,33 % em embalagens e de 17,65% em dinheiro.
Ou seja, os genéricos já pesam o dobro nos orçamentos das famílias e no Orçamento de Estado do que representam em tratamentos prescritos e adoptados.
No final da apresentação, Vasco Maria confirmou a evidência: temos os genéricos mais caros da Europa.
Não fiquei completamente espantado. A originalidade dos nossos governos, que inventaram e mantiveram os genéricos de "marca", não serve só para obrigar os farmacêuticos a comprar gavetas para arrumar dezenas de marcas/marcas e de marcas/genéricos.
Os genéricos foram uma oportunidade perdida em Portugal para introduzir um mínimo de elasticidade no mercado dos medicamentos. Os preços máximos são fixados pelo Estado e as companhias de genéricos não encontram o menor estímulo para baixarem preços.
Bem pelo contrário. O vício do mercado dos medicamentos tradicionais (preços mais altos = mais dinheiro para marketing = maior retorno em prescrições ) manteve-se no mercado de genéricos.
As empresas de genéricos gastam fortunas como as outras em "marketing" junto dos prescritores, para obterem receitas (no duplo sentido da palavra) para os seus produtos. Eu ainda me lembro de noticiar há uns anos um paquete de luxo que ia passear médicos e farmacêuticos por uma série de ilhas. Quem pagava a maioria das viagens? Uma multinacional de genéricos.
Originalidade legislativa faz-se pagar com uma originalidade cara para os bolsos dos doentes e dos contribuintes.
Pagamos mais pelos genéricos do que os pobres dos alemães, dos dinamarqueses, dos suecos e por aí fora.
É tão bom sermos ricos.
terça-feira, 10 de julho de 2007
A ORDEM DOS JORNALISTAS

O "Público" de hoje tem uma capa histórica. Em cinco fotografias elegantemente alinhadas ao alto, sob o sugestivo título de "nota oficiosa", os portugueses em geral e os jornalistas em particular ficam a conhecer a nova Ordem.
Estes quatro cavalheiros e esta senhora são a Ordem dos Jornalistas. Claro que usam o nome "light" de Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social.
Estes quatro cavalheiros e esta senhora estão imbuídos do louvável e constitucional propósito de "assegurar o livre exercício do direito à informação e à liberdade de imprensa".
Para quem não entenda, estes quatro cavalheiros e esta senhora são a Ordem dos Jornalistas que temos.
Eu também acho institivamente graça a slogans provocatórios tipo "Sou Jornalista. Não me metam na Ordem". Mas estes quatro cavalheiros e esta senhora, como lhes compete, ignoram olimpicamente palavras de ordem e sabem melhor do que eu, que andava de fraldas nessa altura, que o PREC prescreveu.
Eu às vezes tenho de trabalhar nas fronteiras do certo e do errado para em consciência sentir que estou a trabalhar bem, quero dizer, a "assegurar o livre exercício do direito à informação e à liberdade de imprensa".
Por isso, telefono a todas as horas a dois ou três jornalistas mais velhos que reconheço como jornalistas e bombardeio-os com perguntas.
Mas não me revejo nestas pessoas. Não, também não tenho nada contra elas. Simplesmente não as conheço, nem tive ou terei o interesse de as adoptar como referências.
Pormenor importante, não votei nelas. Nem sequer pude abster-me olimpicamente, porque elas não foram candidatas.
Por isso, aborrece-me que se comportem como bastonários.
Os jornalistas, por razões que eu até entendo, mas acho que prescreveram, não quiseram ser metidos na Ordem. Vai daí, como os legionários dos livros do Astérix, foram nomeados voluntários. Foram metidos na Ordem.
sábado, 30 de junho de 2007
AS LISTAS DE ESPERA
TEMPO MÉDIO DE ESPERA:
PORTUGAL: 105 DIAS
ALGARVE: 198 DIAS
ALENTEJO: 132 DIAS
LISBOA E VALE DO TEJO: 123 DIAS
CENTRO: 102 DIAS
NORTE: 72 DIAS
FONTE: RELATÓRIO DO OBSERVATÓRIO PORTUGUÊS DOS SISTEMAS DE SAÚDE / 2007
PARA ALÉM DOS FACTOS, O RELATÓRIO DISCUTE A POLÍTICA DE SAÚDE E NÃO É CINZENTO.
segunda-feira, 18 de junho de 2007
O RELATÓRIO SECRETO DO SNS (MAIS UM)

Tenho vindo a noticiá-lo na TVI desde 5 de Junho.
Para além da redução dos benefícios fiscais dados à Saúde em sede de IRS, do aumento anual das taxas moderadoras e da revisão do regime de isenções, o relatório recomenda a extinção dos subsitemas públicos de saúde, com a ADSE à cabeça, ou pelo menos que deixem de ser financiados pelo Orçamento de Estado.
Pela consulta do relatório, fica-se a saber que os portugueses pagam directamente do seu bolso mais pela Saúde do que a generalidade dos europeus, que o regime de comparticipação dos medicamentos penaliza os mais pobres e que há quatro especialidades médicas que, na prática, já são privadas, porque é nos consultórios que se fazem a maioria das consultas.
Uma "derrama" para a saúde, o tal imposto transitório, só é encarada pelos peritos como solução extrema, em caso de falência iminente do sistema.
Num comunicado recente, o Ministro da Saúde comprometeu-se a não criar esse novo imposto nem a cortar no número de isentos do pagamento de taxas moderadoras. Quanto às demais recomendações, o comunicado é omisso.
domingo, 10 de junho de 2007
O XAVIER SP
Muitos jornalistas de televisão tornam-se conhecidos e populares e provocam impressões desmedidas onde quer que apareçam. Eu não, nem fiz por isso. Na faculdade troquei as cadeiras de televisão por outras de religião e depois passei anos a trabalhar sem me passar pela cabeça meter-me nela.
Hoje sou interpelado no meu bairro e na cidade onde cresci. Afinal, confesso que gosto do que antes me metia medo. Oiço curioso o que as pessoas me dizem do Mundo e já descobri imensas coisas. Esses encontros inesperados ajudam-me a olhar para a câmara e a falar mais claro, como se pudesse transformar a solidão de um directo ou duma reportagem televisiva numa conversa.
Há jornalistas que conhecem mais gente do que eu, mas nunca lhes tive inveja. Sempre achei que o meu “feed-back” de bairro era ajustado ao meu trabalho. E as minhas carências afectivas encontram-se satisfeitas por quem amo, pelos meus amigos e pelo meu cão, que faz o favor de me ignorar quando apareço na televisão. Mas agora tenho uma nova razão para me sentir privilegiado e até para achar que os meus colegas é que têm de ter inveja de mim.
É que eu tenho um Xavier e eles não. E um Xavier é um Xavier. Não é outra coisa qualquer. Um Xavier é um Xavier e não é mais nada. É um acontecimento único, tão único que só quem tem um Xavier tem um Xavier.
Por exemplo, nota-se que é acima da média. Tem iniciativa. O Xavier inventou um blogue especializado no nosso sistema de Saúde e nos sistemas de Saúde do Mundo inteiro. E não criou só o blogue: desatou a geri-lo para sempre. Ele publica os “posts” dos outros e selecciona os comentários: “darei conta das censuras que efectuar e das respectivas justificações”.
Não se pense que eu acho que ele censura. Não, porque o Xavier é tão naturalmente bom que quando censura não censura: depura, defende-nos da doença das opiniões estragadas. Sim, porque o Xavier sabe sempre quais as medidas, as reformas, as opiniões e o ministro que nos faz bem. E defende-nos do resto como dos cigarros que fazem cancro. O Xavier é, ele próprio, a saúde pública. É o Xavier SP da Saúde SA. Se os deputados da Assembleia Constituinte tivessem adivinhado que ia aparecer um Xavier nas nossas vidas não tinham escrito nada sobre o direito à Saúde na Constituição.
Com esta tendência genética para não entender nada sobre Saúde, passei anos nas trevas. Perdi a conta às notícias com que intoxiquei os outros sem saber que o Xavier existia. Cheguei a conhecer pessoas do sector que falaram comigo a até se tornaram minhas fontes. Penso nelas todas envergonhado e não sei se algum dia poderá alguma delas perdoar-me. Confesso dolorosamente que li relatórios e estudos sobre Saúde antes de conhecer o pensamento do Xavier (até Deus, na sua infinita bondade, não perdoaria a um crente que tomasse almanaques do Tio Patinhas pela Bíblia).
Acontece que recentemente o Xavier lembrou-se de mim e eu comecei a pagar os meus pecados em vida. Alguns amigos mandaram-me mensagens com os comentários dele ao meu “inacreditável” trabalho. Tive medo. De início, ainda achei que conseguiria livrar-me das chamas, porque o Xavier escrevia que "a TVI em articulação com alguma oposição" tinha caído em pecado; mas depois explicava a um comentador do blogue: “Não imagina a dificuldade, a coragem que foi necessária para escrever este parágrafo. Não por causa do autor do trabalho da TVI, que eu não aprecio particularmente”.
A minha vida, naturalmente, nunca mais foi a mesma, porque atrás do comentário li o post, e depois do post li outro post, e outro, e às tantas não pude mais ignorar o pensamento do Xavier. Mas pensei que o trabalho “inimaginável” que o Xavier teve para arranjar “coragem” talvez o levasse a não querer condenar-me definitivamente em vida, graças à minha “articulação” com a “oposição”. À cautela, daí para cá, fiz os possíveis por me “articular” melhor. Apesar de convencido da minha fraqueza genética, julguei ser possível imunizar-me.
Como estava escrito nos meus genes, falhei. E o Xavier voltou a denunciar-me, desta vez com o nome e tudo (o meu, porque o dele é “Xavier”).
Ainda não recuperei do choque.
Sinto-me só no Mundo.
Olho para o meu cão. Num acesso de loucura, chamo-lhe “Xavier”.
-“Xavier SP”!
O sacana ignora-me.
Só dá pelo nome dele e está cheio de saúde.
quinta-feira, 7 de junho de 2007
... E UM PREFÁCIO
David Byrne, Nova Iorque, Setembro de 1999
Um dicionário não julga quem o consulta. Se perguntasse a alguém, a qualquer um, o significado de uma palavra longa, obscura e complicada, julgar-me-iam culto ou Snob, ou ambas as coisas e, igualmente, se perguntasse o significado de uma palavra elementar, simples, como "casa", "lá", "ninguém" ou "fim", provavelmente me tomariam por idiota, uma pessoa extremamente inculta, ou talvez apenas um estrangeiro. Mas o dicionário trata igualmente todas as minhas consultas. Nenhuma é mais profunda ou ridícula do que a outra. Sou tratado por este livro como uma criança cujos pronunciamentos são, em geral, absurdamente simples e, ao mesmo tempo, cósmicos. É óbvio, por exemplo, que a palavra "lá" é mais surpreendente ou no mínimo tão desconcertante como uma palavra como "fenomenologia".
Arnaldo Antunes tem um pouco daquela qualidade característica do dicionário.
A qualidade de uma criança muito sofisticada, que nos pede para prestar atenção em expressões vocais, imagens, sons e textos às vezes simples e às vezes complexos... e pede que recebamos essas coisas com profunda inocência, porque aquela inocência é muito mais ameaçadora do que qualquer sofisticação. E também dá mais prazer. Dei com o trabalho de Arnaldo Antunes pela primeira vez num disco dos Titãs, o grupo pop de que foi parte importante por muitos anos.
Compreendi que havia "algo" nesse grupo quando perguntei a um amigo qual era o sentido do título do disco O Blésq Blom e ele me disse que não significava nada, mas que o som dos fonemas e das sílabas apetecia à língua. Mas tarde, topei com outro trabalho em que ele se envolvera - o projeto de um livro (Atlas - Almanak 88, 1988), que me presenteou junto com outro, Fachadas e Platibandas, de Anna Mariani, constituído de fotos de casas estranhamente futuristas, localizadas em cidadezinhas pobres do Nordeste brasileiro. Depois, vi seu vídeo e o disco que o acompanha, Nome, o que me deixou profundamente emocionado... parecia haver aqui outro "cosmopolita sem raízes", como os nazistas chamavam os judeus. Uma pessoa que não vê limites em seu trabalho. Música pop, poesia concreta, instalações, performance, videoarte, ensaios... ele se envolveu em todos esses campos e, embora eu não tenha visto ou ouvido tudo, o que vi e ouvi é concretamente bom.
No Brasil há uma tradição de songwriters (músicos-letristas populares), ligados a campos for a do pop, que são chamados de compositores, pois lá a música é parte importante da vida (estritamente falando, compositor é quem escreve música clássica). A geração do tropicalismo: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé, os Mutantes e outros estiveram geralmente ligados a uma geração anterior, o modernismo (Oswald de Andrade etc), o movimento de poesia concreta (grupo Noigandres), bem como ao Cinema Novo, com os incríveis filmes de Glauber Rocha.
Isso foi no fim da década de 60 e no começo dos anos 70, durante a repressão militar que forçou alguns desses artistas ao exílio. Muitos desses artistas ainda estão ativos, mas aquele momento particular de fermentação e criação passou. Agora a repressão e a censura são de natureza diferente, econômica.
Da mesma forma que aqui nos EUA... a censura é exercida pelas forças do marketing, não por decreto do governo.
Arnaldo Antunes continua essa tradição inovadora, mas com um fio mais cortante, mais nervoso. Mais urbano, mais escrachado, mais global. No trabalho de Arnaldo sinto que ele não vê diferença qualitativa entre cultura elevada e popular... entre escrever rocks e publicar um livro de poesia concreta. Isto é sinal seguro de que os guardiões da cultura perderam controle. Um sinal de que os animais escaparam dos zôos culturais e institucionais onde eram mantidos, e agora estão se encontrando e se misturando... e quem sabe que tipo de estranhas criaturas nascerão.
Esta é nossa situação pós-industrial do século 20. É um mundo em que o texto não é mais rei. Como disse McLuhan, retornamos a uma sociedade pré-industrial de orientação oral e visual, em parte graças à nossa tecnologia e à comunicação de massas. Para nós, palavras funcionam tanto como imagens quanto pelo que dizem, não são apenas símbolos de algum significado externo, mas coisas em si. A televisão e a Internet são montagens de todo tipo de coisas. Imagens, textos, sons. Nós "lemos" esses sons, as texturas de uma publicidade, os gestos nas fotos, nos anúncios, ou de uma performance. Para nós, fazê-lo é instintivo, pois somos animais além de tudo, mas não há livros ginasiais de gramática que definam as regras dessa "linguagem". Com essa linguagem de formas e sons e imagens retornamos a uma espécie de sensibilidade pagã pré-alfabeto, onde todos os lugares, coisas e objetos têm vida, um espírito, e não só pessoas e animais. O mundo está vivo. Esse é o mundo que Arnaldo habita e está tentando definir. E é nosso mundo também.
De vez em quando, algumas das coisas que Arnaldo faz, uma canção por exemplo, pode tornar-se popular, vender muitos discos, ser considerada "comercial" em certo sentido, mas sinto que os impulsos por trás de todos esses vários tipos de trabalho que ele faz são mais ou menos os mesmos. Que para ele a música que se torna popular não tem maior ou menor valor do que esses fragmentos de texto/imagem. Um som é igual a uma palavra e a forma é igual a uma história. Por isso, esse livro pode ser considerado uma espécie de gramática, um dicionário, de uma linguagem que não está definida. Uma linguagem que estamos todos tentando aprender e falar, mas para a qual não temos instruções, nem referências. Aqui há um começo.
Prefácio escrito especialmente para o livro de poemas de Arnaldo Antunes Doble Duplo, lançado na Espanha.
http://www.arnaldoantunes.com.br/sec_livros_view.php?id=6&texto=1
quarta-feira, 6 de junho de 2007
A greve, a lei e a televisão

Já lá vai uma semana, mas não faz mal. A historieta edificante que vos queria contar não tinha relevância nenhuma para a alta matemática dos resultados da greve.
Tocou-me, na minha televisão, fazer a cobertura da greve nos serviços de saúde de Lisboa. Na véspera decidi contactar alguns hospitais, anunciando a aparição de uma câmara da TVI com um repórter de imagem e comigo atrelados.
Estes contactos prévios, na verdade, não são só uma questão de cortesia. No fundo, destinam-se a antecipar e a evitar chatices. As nossas administrações hospitalares têm mais alergia à televisão do que à gripe das aves.
Eu às vezes digo isto em reportagens e em directos, mas ainda acho que a maioria das pessoas não sabe que um carro de reportagem de uma televisão, à entrada de um hospital, é recebido como um potencial terrorista.
Os hospitais não têm dinheiro para pagar decentemente a médicos de carreira, nem para certos medicamentos, mas não param de aumentar os quadros de seguranças imbuídos de intruções claras para só deixarem passar jornalistas "autorizados". Só eu sei as horas de trabalho que já perdi em portões onde toda a gente entra tranquilamente (e eu também, desde que não esteja a trabalhar).
Honro-me, apesar de tudo, de nunca ter pedido "autorização" para fazer o meu trabalho em locais públicos, de espernear sempre que alguém me tenta impedir e de ter apresentado várias queixas contra encartados delinquentes, infractores relapsos da abominável liberdade de imprensa.
Tenho histórias divertidíssimas.
Lembro-me do ministro Pereira ter ficado encavado quando lhe agradeci, em directo, por estar a filmar no Hospital de Santa Maria. Perguntei-lhe, sempre em directo, se ele sabia a razão do meu reconhecimento. Ele não respondeu. Expliquei-lhe que, uma semana antes, numa outra greve, fora forçado a en
trevistar doentes do lado de fora para o lado de dentro da cerca do hospital. Juro que a comitiva do ministro se riu.
Lembro-me do director de um hospital ao meu lado, num portão, comigo a dar um passo para o lado de dentro e a câmara ligada à nossa frente.
Lembro-me de um polícia nos jardins da Assembleia da República fazer o ar mais espantado do Mundo quando lhe disse que ia desobedecer à ordem dele e continuar a entrevistar um médico-sindicalista. E de ver nascer nos olhos dele uma certa cumplicidade, inconfessável, quando lhe perguntei quem lhe tinha dado a ordem para me impedir, porque essa é que passava a ser a minha notícia para o Jornal Nacional.
Desta vez, eu fiz os contactos. E tive o cuidado de informar que ia fazer reportagem no dia seguinte, sem dar o menor sinal de que se tratava de um pedido de autorização. Num desses telefonemas, informei o meu interlocutor no Centro Hospitalar de Lisboa Central (acho que é assim que se chama) de que ia aparecer na central de consultas externas do Hospital de S. José para ver a greve.
Foi aí que começou esta edificante história. O meu interlocutor explicou-me que "a Administração" tinha decidido que os jornalistas, desta vez, iam filmar a greve no Hospital dos Capuchos para "não ser sempre o S. José a aparecer". Um pequeno problema, portanto, fácil de resolver.
Só que eu, à partida, queria mesmo ir a S. José, porque tinha lá ido noutras greves e pretendia poder comparar. Confesso que, por um estranho pressentimento que não conseguia racionalizar, a opção da "Administração" reforçou o meu interesse. Lá invoquei a lei, lá disse que ia na mesma, que filmaria quem me impedisse e apresentaria queixa-crime a seguir. Formalizei a coisa por escrito.
O problema desbloqueou-se em cinco ou dez minutos. Sem ponta de ironia, o interlocutor da "Administração" é um grande profissional, que me habituei a respeitar.
No dia da reportagem, o José Carlos Barradas, repórter de imagem que me acompanhava, filmou sozinho a central de consultas do Hospital de S. José. Porque não havia jornalistas, não havia funcionários, quase não havia doentes. Aquela sala vazia, onde diariamente costumam estar centenas de pessoas, foi a imagem mais forte da minha reportagem.
Às 9 da manhã fiquei com a impressão de que esta era a maior greve que tinha visto na Saúde, impressão que desfiz quando visitei o Hospital dos Capuchos. Aqui, uns médicos da velha guarda explicaram-me que as tradições dos dois hospitais são opostas em matéria de greve. Eu não sabia. Por isso talvez a "Administração", que agora manda nos dois hospitais, também não soubesse e tivesse só preocupações estéticas.
Explico que só não pedi autorização porque não se negoceiam direitos e muito menos deveres. E a Constituição da República Portuguesa tem lá escrito o direito dos espectadores da televisão onde trabalho a serem informados, o que me dá uma trabalheira porque nem sempre consigo realizá-lo. A Lei nº 1/99, de 13 de Janeiro, deixa claro que eu posso usar o equipamento necessário para realizar esse princípio fundamental.
Mas eu sei que décadas de exame prévio não se alteram por decreto. Tem de se espernear e fazer figura de terrorista, não é? Há coisas piores na vida.
sábado, 12 de maio de 2007
"Golazo" da Globalização
Alguém imaginava que seria um sueco a fazer um golo passível de ser considerado "melhor" que o de Maradona contra a Inglaterra?
"Comparável", às vezes, acontece: o de Messi, por exemplo, mas esse também é argentino.
Pois este chama-se Andres Vasquez, parece peruano, mas não. É sueco. Aliás, aos 19 anos já é sueco e vai ser campeão da Suécia.
Não sei se o golo dele é "melhor", mas concordo que pode ser considerado "melhor" e isso é absurdamente extraordinário.
Têm a bola Ronaldo, Quaresma, Nani, Messi e Ronaldinho. Há coisas que têm de voltar ao seu devido lugar.
quinta-feira, 10 de maio de 2007
terça-feira, 8 de maio de 2007
URGÊNCIAS: O CENTRO DO DEBATE É O CANTO DE CIMA DO MAPA

Michael Porter e Correia de Campos
sexta-feira, 27 de abril de 2007
quarta-feira, 4 de abril de 2007
TESE DAS URGÊNCIAS

Jorge Mineiro, que eu não conhecia até me terem falado deste documento, é mais um caso de uma perigosíssima tendência hemorrágica de quadros do SNS. Cada vez são mais os cirurgiões e especialistas, muitos deles de topo, que optam por trabalhar exclusivamente em hospitais privados. Ao ler a tese sente-se institivamente que o autor é profundamente apaixonado pela medicina de Emergência. Pergunto-me, no caso dele como de tantos outros, o que o terá levado a mudar para um cenário mais pobre desse ponto de vista. E pergunto-me porque será que não há políticas dirigidas à extinção desta hemorragia de quadros. O SNS está a perder qualidade. Pressinto que os poderes vão acordar tarde para o problema, como acordaram para as vagas de Medicina.
A tese, infelizmente, está esgotada. Foi objecto de uma pequena edição, impressa na Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa, e julgo eu que nenhum editor se importou mais com ela. É pena.
Ontem teve "honras" de abertura do Jornal Nacional (uso esta expressão, embora não goste muito dela, por ser a preferida das organizações de toda a sorte que vivem dessas aberturas e se preocupam em contabilizar quem as protagoniza - é a minha pequena ironia). Mas uma peça de televisão, limitada a dois minutos (quem passa a vida a queixar-se de que os telejornais são grandes demais deve abster-se de considerações neste ponto), tem uma força enorme de divulgação de um objecto cultural, mas é frustrante se o objectivo for conhecê-lo profundamente.
E, neste caso, valia a pena que todos os interessados pudessem conhecer melhor a investigação e os resultados de Jorge Mineiro, sobretudo numa altura em que se discute uma reforma estratégica do nosso sistema de emergência, que é uma oportunidade única de melhorar a prestação dos nossos serviços de saúde e de salvar vidas, mas que comporta riscos, sobretudo se houver erros (ou mais propriamente falhas) na sua execução.
Tentarei, num próximo "post", fazer um relato jornalístico mais desenvolvido do que li, mas preciso de tempo e de ponderação. O assunto é sério, exigente e eu não disponho de todas as competências (médicas, estatísticas e por aí adiante).
http://www.tvi.iol.pt/informacao/noticia.php?id=793790
terça-feira, 3 de abril de 2007
RELATÓRIO DAS URGÊNCIAS

Desde que noticiei a existência de um relatório da Comissão Técnica das Urgências nunca vindo a público recebi uma boa dúzia de pedidos de cópia das mais diversas entidades: partidos políticos, presidentes de câmaras municipais, deputados, organizações profissionais, sindicatos e por aí adiante.
Nascido nas vésperas da revolução, quando aprendi a ler Portugal já era um país livre. Por isso, desde que comecei a exercer a minha profissão, sempre me chocou o segredinho do Estado.
Foi com enorme prazer que verifiquei há uns anos que a Assembleia da República já tinha legislado no sentido de tornar claro que os documentos administrativos são públicos e de acesso livre por parte de qualquer cidadão interessado.
Já, por diversas vezes, processei ministros e institutos públicos na Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (http://www.cada.pt/) para ter acesso a documentos que, ilegitimamente, estavam a ser subtraídos ao conhecimento público.
Não podia, por isso, tomar eu próprio uma decisão diferente. Não quero saber quem quer subtrair e quem quer acrescentar este documento ao domínio público, nem as razões de uns e de outros.
Eu já o noticiei e agora publico-o.
terça-feira, 27 de março de 2007
E SALAZAR GANHOU O TELEVOTO

Um televoto é um televoto. Não vale a pena dramatizar.
Mas os resultados foram o que foram e sempre podiam ter tido outros. Não adianta fazer de conta.
Reabri quase institivamente este "discurso" do século XVI e encontrei lá, sublinhados no meu exemplar, previstas duas explicações para o nosso actual "resultado".
"A PRIMEIRA RAZÃO QUE LEVA OS HOMENS A SERVIREM DE BOAMENTE É O TEREM NASCIDO E SIDO CRIADOS NA SERVIDÃO"
"FAZEM TUDO O QUE FAZEM PARA GANHAREM FORTUNA... COMO SE PUDESSEM GANHAR ALGUMA COISA DE SEU, QUANDO DA SUA PRÓPRIA PESSOA NÃO PODEM DIZER QUE SEJA SUA. COMO SE FOSSE POSSÍVEL, NA PRESENÇA DO TIRANO, ALGUÉM POSSUIR O QUE QUER QUE SEJA, ELES FAZEM TUDO PARA ACUMULAR RIQUEZAS E NÃO SE LEMBRAM DE QUE SÃO ELES QUE LHE DÃO FORÇA PARA ROUBAR TUDO E TODOS, NÃO DEIXANDO A NINGUÉM NADA DE SEU"
LA BOÉTIE
domingo, 18 de março de 2007
quarta-feira, 7 de março de 2007
OBJECTIVIDADE E JORNALISMO
Voltarei ao assunto assim que reunir tempo e concentração suficientes. Para já, gostaria apenas de dizer que o conceito de "objectividade" é uma má máquina de pensar o jornalismo e um mau critério para o discutir.
Parece-me mais útil abandoná-lo à procura de outros conceitos mais eficazes. A minha experiência leva-me a aderir aos quatro conceitos propostos por Dan Gillmor, originalmente citado por Luís Santos, professor de Comunicação Social da Universidade do Minho ( http://atrium.weblog.com.pt/arquivo/176820.html).
Gosto destes quatro, mas é óbvio que pode haver outros capazes de proteger com eficácia o que interessa. E o que interessa, para mim, são os bons valores que deram origem histórica a um modelo de jornalismo teorizado em torno da "objectividade". Esses valores são postos em causa quando a "objectividade" se profissionalizou tanto que deu origem a retóricas eficazes, capazes de catapultar as audiências de produtos de informação de grande consumo, mas muitas vezes enganadoras e, por isso, perigosas.
Antes de passar a citar, deixo a nova morada do blog de Luís Santos (que nunca contactei pessoalmente), a todos os títulos interessante para consumidores de informação:
http://atrium.wordpress.com/
O fim da objectividade
"Talvez esteja na altura de nos despedirmos carinhosamente desse velho pilar do jornalismo: a objectividade". É com esta frase que Dan Gillmor abre um texto polémico onde nos diz que muito do que foi construído em cima deste conceito tem apenas fundamentação empresarial e legal. Gillmor acrescenta, porém, que não devemos esquecer-nos dos princípios e valores que suportam o conceito, por forma a implementarmos quatro ideias menos ambiciosas e mais aptas a aplicação num novo ambiente mediático.
1 - Exaustividade (Thoroughness): fazer mais uma chamada, contactar mais uma fonte, confirmar mais um dado, ouvir mais um leitor/ouvinte/telespectador;2 - Precisão (Accuracy): sempre os dados correctos;
3 - Equidade (Fairness): ouvir as várias posições e incorporá-las no trabalho (que não a "preguiça" de replicar mentiras ou distorções só para alcançar alguma equivalência, mesmo na presença de uma situação de claro desiquilíbrio), aceitar as correcções e precisões de quem lê/vê/ouve;
4 - Transparência (Transparency): a abertura é factor de credibilização do jornalismo; importa fazer todas as referências a materiais usados (links) e importa viver de forma equilibrada - atenta e consciente - com os nossos pre-conceitos (sou português, nasci nesta terra, tenho estes amigos, gosto deste clube de futebol, simpatizo com aquele político...).
quinta-feira, 1 de março de 2007
PRÓS E CONTRAS DAS URGÊNCIAS

"Antes de mais, deixe-me felicitá-la, Fátima. Por muito que eu tivesse uma boa máquina de propaganda, não conseguiria explicar tão bem aos portugueses o sentido desta reforma", começou por dizer o ministro da Saúde.
Era o início da segunda parte. Fátima Campos Ferreira (FCF), cada vez mais à vontade e mais eficaz na condução do programa, introduziu o ministro com os mapas da comissão ministerial das urgências na mão e os olhos na câmara. "Como vêem", a realidade das urgências "vai melhorar". Os mapas argumentavam que a percentagem de portugueses do território "vermelho", que vivem a mais de 60 minutos de uma urgência, vai diminuir drasticamente.
Depois FCF sentou-se, ao lado do ministro, o que constituiu uma inovação radical na retórica televisiva do programa. O ministro não esteve na primeira parte, não se sentou na bancada direita dos "prós", nem na esquerda dos "contras". Apareceu depois e ficou ao centro, partilhando o espaço cénico da moderadora, que não o interrogou de pé e, na prática, conversou moderadamente com ele (não resisto ao trocadilho). Dir-se-ia que, depois do "debate" técnico, Correia de Campos veio ajudar a ultrapassar pequenas divergências havidas na primeira parte. Depois de dias terríveis de contestação social e polémica política, o ministro pôde aparecer como o moderador institucional. E aproveitou bem a oportunidade.
Não sei se as divergências havidas na primeira parte, de tão pequenas, eram verdadeiras divergências.
Os dois médicos escolhidos pela produção do programa para desempenharem o papel de "contras" revelaram-se muitíssimo desconfortáveis na sua pele e não eram, verdadeiramente, "contras".
Se não, veja-se. O médico António Martins Baptista, primeiro "contra", abriu as "hostilidades" dizendo que não tinha "nada contra o ministro da Saúde, nem nada contra a comissão da reforma das urgências" e reconhecendo que uma "nova rede" de urgências é, ela própria, "urgente". O presidente da Ordem dos Médicos do Centro, José Manuel Silva (JMS), era o segundo "contra". Foi apresentado com um elogio de FCF "à comissão de médicos experientes de todo o país" que fez o relatório das urgências e estava sentada na bancada dos "prós". A moderadora perguntou-lhe: "Mesmo assim, por que está contra?". E o segundo "contra" sossegou-a: "Quero salientar o trabalho gratuito da comissão, que prova que os médicos também trabalham gratuitamente".
O único "contra" verdadeiramente "contra" falou na terceira parte, já depois da uma da manhã. Diogo Cabrita, médico cirurgião de Valença, assumiu "uma visão completamente dissonante" da escrita no relatório da comissão das urgências. Para mim, o debate começou ali, mas não durou muito tempo, porque este "contra" verdadeiramente "contra" foi ouvido em pacote com um grupo de presidentes de câmara, com direito a uns minutos cada um para explicarem as suas objecções particulares, e não pôde entrar em debate com o ministro, nem com os "prós".
Mesmo assim, Diogo Cabrita aproveitou o tempo para se demarcar de todos os presentes, como aqueles ciclistas que fazem fugas sem apoio da equipa nem concorrência dos adversários. Atacou o relatório porque "5 milhões de consultas anuais feitas nos serviços de atendimento permanente (SAP) dos centros de saúde desaparecem". Atacou a proposta da comissão de criação de serviços de urgência básicos (SUB) com apenas dois médicos, porque um pode ter de se ausentar para acompanhar um doente a uma urgência mais diferenciada e estranhou o "silêncio" da Ordem dos Médicos sobre o assunto. E causou o único embaraço da noite ao ministro, quando perguntou por que critério científico vai Coimbra manter duas urgências polivalentes abertas, "com 100 médicos a receberem para atender 35 doentes por noite".
Fátima Campos Ferreira continuou a defender abertamente a reforma e até disse várias vezes que "ficará para a história como a reforma Correia de Campos das urgências". A moderadora, honra lhe seja, assumiu a sua convicção, que me pareceu genuína, embora tenha revelado algumas lacunas de informação relevantes, como quando falou duas vezes da urgência "polivalente" de Viana do Castelo.
FCF só quis saber se o ministro assegurava que o INEM e os centros de saúde teriam meios reforçados para aguentar a mudança. Mas essas duas questões, que verdadeiramente representam as dúvidas dos "contras" e dos "prós", mesmo os da comissão, foram facilmente resolvidas com a promessa genérica de que tudo será melhor do que antes.
Nos dias anteriores, pessoas que conheço queixaram-se-me de terem sido "desconvidadas" para o programa. Essa questão deixou de ser relevante depois de visto o programa ele próprio e de ponderado o seu esmagador efeito de pacificação e quase abolição da discussão.Mas o programa, para mim, se não serviu para discutir urgências, é uma excelente oportunidade para se discutir jornalismo.
Ao contrário da maioria, não me choca que os moderadores tenham opiniões, desde logo porque são jornalistas e eu sei que os verdadeiros jornalistas, que estudam os assuntos, quase sempre formam opinião, ainda que raramente a complexidade da vida real lhes permita abolir a dúvida metódica e uma certa prudência.
Ao contrário da maioria, entendo que a "objectividade jornalística" é uma retórica desprezível e perigosa. O perigo não está num jornalista ter opinião, nem num programa que a difunda. O perigo está nas estratégias retóricas que levam os cidadãos a confundir uma opinião ou uma análise, por mais profunda que seja, com a "realidade".
Mas é claro que a subjectividade, por mais incontornável, não tem de impedir o jornalismo de acontecer. Numa sociedade aberta, a entrevista e o debate são óptimos instrumentos de informação. As perguntas incómodas e a "confrontação radical" de teses antagónicas permitem discutir a fundo as realidades mais complexas e esclarecer a maior quantidade possível de dúvidas de quem não tem acesso à discussão.
A única repugnância que tenho é com a encenação de uma falsa pluralidade, capaz de convencer quem não tem acesso à informação de que se fez um debate que ficou por fazer.
terça-feira, 6 de fevereiro de 2007
O RELATÓRIO PROIBIDO DOS MEDICAMENTOS
As conclusões de um estudo científico realizado em parceria pelo Ministério da Saúde e pela Associação Nacional das Farmácias, financiado por ambas as entidades, revelam um desperdício brutal e permanente com os medicamentos receitados pelos médicos.
Por cada embalagem comparticipada saída das farmácias, o desperdício médio é de 4 euros e 44 cêntimos, ou seja, é esse o valor das cápsulas, comprimidos e saquetas que vão ficar esquecidos numa gaveta lá de casa, até irem para o lixo ou serem devolvidos às farmácias para serem incinerados. Em média, cada vez que um doente vai à farmácia aviar uma ou mais receitas, desperdiça 5 euros e 83 cêntimos em medicamentos que não vai utilizar.
Os investigadores do Instituto de Qualidade em Saúde e do Centro de Estudos da ANF demonstram que o desperdício resulta, em partes praticamente iguais, de dois problemas: as embalagens dos medicamentos ultrapassam as necessidades dos doentes e os doentes não tomam até ao fim o que é receitado pelos médicos.
Os investigadores acompanharam por telefone o destino das receitas aviadas por mais de 1600 doentes. Este grupo de doentes é verdadeiramente representativo do universo nacional. Foram incluídas farmácias de todos os distritos do país, não tendo sido seguidos mais de 6 doentes por farmácia. Os investigadores invocam modelos estatísticos validados pela comunidade científica para demonstrarem que os resultados obtidos têm uma margem de confiança de 95 por cento. É impossível fazer um estudo desta natureza com resultados mais seguros.
O universo estudado é o dos medicamentos comparticipados. Ou seja, dos fármacos cujo custo é suportado integralmente pelo Estado, no escalão máximo de comparticipação, ou dividido entre o Estado e os doentes, nos outros escalões. Feitas as contas os investigadores concluem que o Estado, com o dinheiro dos contribuintes, suporta 60 por cento do desperdício com medicamentos. Os outros 40 por cento são pagos pelos doentes, directamente na farmácia.
A conta que vamos fazer agora é da nossa responsabilidade e não tem o rigor científico do estudo, mas do ponto de vista jornalístico impõe-se, para todos podermos ter a noção da ordem de grandeza deste problema.
Considerando o desperdício médio apurado de 4, 4 euros por embalagem, e que os números oficiais dão conta da dispensa de quase 125 milhões de embalagens por ano de medicamentos comparticipados (124.408.494, Estatísticas do Medicamento 2004, Infarmed) , o desperdício global anda perto dos 550 milhões de euros (547.397.374). Destes, 328 milhões, ou seja, 60 por cento, são suportados pelos contribuintes, através das comparticipações, os restantes 219 são gastos pelos utentes no acto de compra.
O Ministro da Saúde proibiu internamente a divulgação deste estudo. Contactado pela TVI, o Gebinete de Correia de Campos respondeu que"ainda não se encontra para divulgação".
http://www.tvi.iol.pt/informacao/noticia.php?id=769330
sábado, 27 de janeiro de 2007
sexta-feira, 26 de janeiro de 2007
Quem troca a Liberdade por um golo?
A Polícia Judiciária fez esta semana buscas e copiou ficheiros informáticos na redacção de um jornal desportivo, difundido através da Internet, chamado Sportugal. Não discuto aqui quem autorizou as buscas (parece que foi a própria PJ, num primeiro momento, e uma procuradora do MP depois). Os advogados hão-de ocupar-se de perguntar pela autorização de um Juiz de Instrução Criminal, o velho Juiz de Garantias, que é suposto sindicar todos os actos investigatórios que comprimam as liberdades.
A questão de fundo é independente de quem autoriza. É se a busca é aceitável num Estado de Direito e, em particular, no nosso ordenamento legal. A resposta é NÃO.
Há cerca de um ano pôs-se um problema semelhante, altamente mediatizado, quando os computadores de dois jornalistas foram apreendidos no Jornal "24 Horas". Manifestada a oposição dos advogados do jornal, os computadores foram selados e acabaram por ser devolvidos sem que o MP lhes tivesse podido tocar.
Um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa ordenou a devolução, porque os Juízes Desembargadores entenderam que "numa sociedade de um Estado de direito democrático, subordinado à Constituição e fundado na legalidade democrática, para utilizar os termos do art. 3º, nº 2, da Lei Fundamental, não reclama, no caso em apreço, que seja colocada em causa a liberdade de imprensa num dos seus aspectos fulcrais. Afirmamo-lo porque nos parece, salvo melhor opinião, que o desvalor da conduta dos arguidos - desvalor que se pode avaliar desde logo pela moldura penal estabelecida para o crime em investigação, ou seja, prisão até dois anos, ou multa até 240 dias - está bem longe de reclamar o sacrifício do direito fundamental, ou um dos seus aspectos, vertido no art. 38º da CRP".
O artigo 38.º , sobre a "Liberdade de imprensa e meios de comunicação social", oferece-nos coisas essenciais:
1. É garantida a liberdade de imprensa.
2. A liberdade de imprensa implica:
a) a liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores, bem como a intervenção dos primeiros na orientação editorial dos respectivos órgãos de comunicação social, salvo quando tiverem natureza doutrinária ou confessional;
b) O direito dos jornalistas, nos termos da lei, ao acesso às fontes de informação e à protecção da independência e do sigilo profissionais, bem como o direito de elegerem conselhos de redacção;
c) O direito de fundação de jornais e de quaisquer outras publicações, independentemente de autorização administrativa, caução ou habilitação prévias.
No caso do "24 horas" estava em causa um crime de acesso indevido a dados pessoais, agora pondera-se uma eventual violação do segredo de Justiça, por publicação do despacho da procuradora Maria José Morgado a reabrir o proceso do Apito Dourado em que se investiga a "fruta" fornecida ou deixada de fornecer pelo FCPorto a ábitros de futebol.
Para o que interessa, ambos os crimes em discussão têm a mesma moldura penal. Sendo assim, cumpre perguntar:
1. Esqueceu-se o Ministério Público do acórdão do TRL sobre o caso do "24 horas"?
2. Se discorda, por que não recorreu do mesmo?
3. Se concorda, por que reincidiu na invasão de uma redacção?
Salvo os portistas mais ferrenhos, toda a gente espera que a procuradora Maria José Morgado devolva a verdade desportiva ao futebol, para ser possível a todos festejar campeonatos.
Por isso, é uma tristeza para todos assitirmos à máquina do MP ocupada com fenómenos laterais e, mesmo nestes, a violar as regras.
Para que servem estas buscas? Para matar desde já a enorme esperança criada com a nomeação de uma mulher a quem é reconhecida por todos coragem e competência? Para dar cabo do processo arquivado-reaberto? Para sossegar os culpados? Para meter medo aos jornalistas interessados em informar os portugueses interessados no sucesso do Apito Dourado?
Nós gostamos de futebol. Mas a maioria de nós gosta mais de ser livre.